quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Comendo palavras

Rabo Assado: concorrente do Angu do Gomes no Comida di Buteco 2012


Todos temos preconceitos. Uns mais graves, outros menos importantes. Uns latentes e inconfessáveis, outros explícitos e tolos.

Tinha, por exemplo, um amigo que se recusava a namorar meninas com nomes feios. Dizia que atrapalhava os momentos mais íntimos. O cara foi coerente e casou com uma Maria.

O meu é parecido, não como pratos com nomes estranhos. Pode parecer besteira, mas a discriminação me privou de muito prazer, por muito tempo. E vem de longe.

Carioca de linhagem capixaba, era torturado todo ano quando me obrigavam a comer moqueca durante as viagens de férias  à terra de meus antepassados. O prato é uma espécie de ícone na família, todos o adoram, todos o comem, todos o sabem preparar. E para piorar, meu velho encarna o papel de último guardião da moqueca perfeita.

Tenho certeza de que minha aversão começou pelo nome. Antes mesmo de descobrir sua etimologia sombria vinda dos caldeirões de canibais brasileiros, a própria palavra e sua pronúncia misturadas ao cheiro forte da iguaria me assombraram na infância.

As coisas não ficavam melhores quando a viagem tinha como destino Vassouras, terra da Doxinha, a avó do outro lado. Lá a tensão era ainda maior. Nos almoços festivos serviam sempre dobradinha, alcunha não mais atrativa que o famoso nome buchada de boi. Como poderia ter interesse em comer algo chamado buchada (ou dobradinha)?

Se, por um lado, com o tempo tornei-me mais um adorador de moqueca, por outro, jamais dei o braço a torcer quanto ao cozido, tenha ele o nome que queiram dar.

Depois, pratos como sarapatel, pato no tucupi, quebra-queixo, sururu, puxa puxa, grude, maniçoba, sovaco de cobra, beira seca e sorda, também entraram na lista de rejeitados voluntários, porque acredito que ninguém pode ser feliz mandando pra dentro coisas com esses nomes.

Em outros momentos, porém, é o constrangimento que me impede de saborear iguarias com apelidos toscos. Para evitar piadas estúpidas, jamais peço pacu assado e rabada em restaurantes. Aliás, experimentei rabada pela primeira vez esse ano, por conta de um festival, mas isso é outra história.

E quando penso que talvez tenha vencido o preconceito, afinal de contas me entreguei aos prazeres da moqueca e da rabada, tomo uma rasteira. Entro no restaurante, abro o cardápio e começo a me interessar pelo prato: nhoque... (hum, Adoro massa) de batata baroa... (excelente sabor) com ragu de... (não, ragu não!).

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