quinta-feira, 29 de setembro de 2011

OFF ROCK IN RIO




Ao contrário de muita gente, eu não cuspo no prato em que comi, ou estou comendo. Por isso, antes de tudo, aplaudo o Rock in Rio pela iniciativa de trazer ao mesmo tempo para minha combalida cidade natal uma trupe de bandas, músicos, cantores de alto nível, enfim, um espetáculo da magnitude que o Rio de Janeiro merece.
Aos frustrados ou onças de plantão resta lembrar um pequeno detalhe que talvez não tenham notado, nesses últimos 26 anos: O RiR não é um antecipador de tendências, não é a Mojo, ou um concurso de novas bandas.
Desde o início o festival se lastreou em grandes nomes nacionais e internacionais, artistas consagrados, degradados, ou no auge de suas longas/breves carreiras. Queen, Ozzy, James Taylor, Faith No More, Megadeth, Guns n’ Roses, Iron Maiden, Neil Young, R.E.M., Foo Fighters, Cássia Eller, Barão, Paralamas, Titãs, Ira, Elba & Zé Ramalho.
Nesse ano de 2011 não poderia ser diferente, trouxeram Red Hot (bom show do qual esperava menos), Motörhead, o perfeito Metallica, os esquisitões mascarados do Slipknot, Sir Elton John, Capital Inicial (num show até certo ponto surpreendente – especialmente para alguém que gostava da banda, mas jamais tinha assistido sua atuação ao vivo), Cold Play, System of a Down.
Tem lá seus erros como Carlinhos Brown no dia errado, Lobão no dia errado, Erasmo no dia errado (?), Claudia Leite & Ivete Sangalo (para mim essas duas vão terminar formando uma dupla sertaneja, ou travando uma batalha épica ao estilo Emilinha versus Marlene).
Li alguma coisa a respeito do nome ‘Rock’ induzir as pessoas a erro, marketing mal feito, gato por lebre, mas se Rock é contestação e surpresa não existe nada mais rock n’ roll que colocar a bateria da mangueira no palco do Megadeth (pode ser exagero ou equívoco, mas que é também uma baita coragem, isso é).
Li, também, a respeito do nome Rio limitar as possibilidades da caravana arrumar as malas e zanzar por outras terras. Tudo besteira. Rock in Rio é uma marca, uma forte marca que pode e deve ser levada e esfregada na cara de todo o mundo. Rock não é marca, Rock in Lisboa, seria apenas Rock in Lisboa, sem o apelo óbvio, sem a carga histórica que o maior festival de música do Brasil tem, e é isso que eles querem, seja em Lisboa, seja em Madri, seja em Heikjavick.
E aí vem aquele papo, novamente, de que o RiR está repleto de artistas antigos, ultrapassados, não há nada de novo. Quanto às novidades sugiro aos frustradões ranzinzas que procurem outros meios de buscar tendências, de ouvir coisas novas. Se cansaram (ou nunca gostaram) de Guns n’ Roses façam como eu e não comprem o ingresso.
Não é pelas mãos dos Medina que encontro algo novo, é fuçando na internet, em revistas, lendo artigos, ouvindo rádios de todo o mundo, trocando ideia com amigos. Com sorte e paciência encontrarão pérolas que poderão pendurar no pescoço, exibindo seu ‘incrível dom de descobrir o novo’, como amigos meus da adolescência que escutavam novas bandas e selecionavam os colegas para quem emprestariam as fitas cassete para cópias, só para manter a banda conhecida apenas no ‘circuito’.
Foi assim, meio Off Rio que eu (quem sou eu?!?) descobri valores dos quais jamais teria notícia se ficasse esperando o Robertão (e a Robertinha) contratá-los para o RiR dois mil e quinhentos. Lendo Wisnik, Bloch, Vianna e Dapieve, no Globo. Lendo ocasionalmente Billboard e RollingStone, fuçando postagens despretensiosas de amigos no FB, catando migalhas no Youtube, ouvindo rádio ‘gringa’ na internet e por aí vai.
Foi dessa forma, fora do ‘circuitão’ de evetos e shows que tomei conhecimento de Radiohead, Strokes, Melody Gardot, Madeleine Peroux, John Grant, Beirut, Arctic Monkeys, e que maravilha é ler alguém escrevendo em um canto qualquer da internet sobre o novo indie da hora em Nova York e correr para a primeira caixa de som de onde brote a psicodelia milimetrada de Darwin Deez; é o primeiro beijo, cara.
Fantástico é descobrir que existe uma gringa de voz deliciosa que compôs seu primeiro disco de letras e melodias irretocáveis em uma cama, enquanto convalescia de um acidente. E que disco!!! E que voz tem Melody Gardot!!! Ou ler o Dapi (licença empolgada para intimidade que não existe, na medida em que na nossa relação somente eu o conheço) dando uma de pombo correio e trazendo direto da Mojo o que está começando a se erigir nos becos de Londres ou NY, ou no underground de Berlim, Barcelona, México, Sofia, sei lá.

Já não me lembro como conheci a maioria das bandas ou artistas que mencionei, muitos foram por acaso, mas tenho certeza que nenhum deles chegou até mim por intermédio de um grande festival de música. Nâo espere das coisas o que elas jamais lhe darão e não haverá frustração. Há certamente muita coisa nova pronta para ser descoberta por aí, mas, no final das contas, tendência se encontra na granja, onde se cria frangos. Telhado é lugar de galo com franja.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Santa ou devassa


SANTA OU DEVASSA
Em mais um caso recente da internet que ganhou 'notoriedade' mundial, uma americana, ao descobrir-se traída pelo companheiro, confiscou suas roupas e resolveu leiloá-las no e-Bay de forma pouco ortodoxa, qual seja: Posando seminua, como se estivesse vestindo, ou tirando, as peças do ex.
Segundo a desiludida, seu namorado costumava exigir que ela usasse roupas mais conservadoras, privando-lhe do direito de usar algo mais sexy. Presumo que o incauto quisesse viver da seguinte forma: A mãe dos seus filhos deve manter-se vestida e se portar, sempre, adequadamente; uma santa. Já suas amantes devem se vestir e portar como cachorras; diabinhas. Pobre homem.
O que isso tem a ver com música (é sobre isso que quero escrever)? Tudo. Mesmo porque, tudo tem a ver com música. Do mesmo modo pelo qual rotulamos pessoas, dentre tantas formas, de santas ou devassas (quase sempre nos enganando), rotulamos músicas, dentre tantas formas, como musiquinhas boazinhas ou som quente, sexy, devasso (quase sempre nos enganamos, também).
Começo com exemplos marcantes da história da música: Madonna é hors concours em safadeza, ou alguém discorda? Suas músicas tinham um clima sensual, a entonação de voz emprestando um tom quase vulgar às canções, letras chocantes. Todo mundo sentia uma enorme vontade de ir pra cama, no exato momento em que começava a ouvir Justify my love  ou Like a virgin. Ao passo que ao escutar a voz angelical de Karen Carpenter entoando Close to you todos se lembravam de suas mães e seus pais, abraçadinhos na frente da lareira. O que eles faziam depois ninguém quer imaginar, mas eles faziam, e esse é o ponto.
Assim como devassas podem, na verdade, buscar esconder sua fragilidade emocional por trás da carapaça de mulher independente, santinhas podem ser mulheres reservadas que preferem guardar o que tem de capetas apenas para alguns poucos afortunados. Músicas são exatamente assim.
Ouvir Madonna pode ser extremamente broxante, na mesma medida em que ouvir os Carpenters pode ser bastante provocante. Depende do momento, da companhia, da situação e do sentimento envolvidos.
Tinha uma amiga metaleira que contava que seu namorado chegava toda semana com uma nova fita cassete para ela escutar no walkman enquanto eles transavam. O repertório incluía Mettalica, Iron Maiden, Slayer e por aí vai. Agora se imagine no momento do êxtase íntimo escutando uma voz rouca gritando “Now I lay me down to sleep/Pray the lord my soul to keep/If I die before I wake/Pray the lord my soul to take”. Ela certamente gostava, eu não gostaria.
Tudo isso é apenas uma isca para atraí-los até onde quero chegar. A sensualidade ou castidade de uma música é muito mais sutil do que julgamos. Está muito mais no ouvido de quem escuta que na garganta de quem canta. I touch myself (Divinyls) é uma música escancaradamente sexual, mas nem por isso, entre quatro paredes é mais devasso que escutar Outra Vez ou O Portão, eternizadas na voz do Rei Roberto.
Houve épocas em que elegeria, com traquilidade, a banda eletrônica americana Supreme Beings of Leasure como a mais sensual e estimulante do planeta.
Ultimamente, contudo, tenho atribuído esse título a uma doce voz americana que chamam de Melody Gardot. Em uma rápida busca na rede você descobre que essa moça de Nova Jersey, hoje aos 26 anos no cume do seu esplendor, iniciou sua carreira de compositora aos 19, depois de um trágico acidente em conseqüência do qual ficou presa a uma cama enquanto se recuperava das lesões.
Foi na cama que compôs as canções de seu primeiro álbum (Some Lessons – The Bedroom Sessions), Deus do céu! Na cama. Poderia dar melhor resultado? Suas canções são leves, agradáveis. Quase sempre carregadas daquele clima de romance desfeito, cheira a desilusão. Os arranjos são ao mesmo tempo simples e bem elaborados, e as melodias sofisticadas, o que torna sua música ainda mais elegante. E a voz... bem, nenhum homem resistiria àquela voz sussurrada ao ouvido. Algumas mulheres também não.
De seu disco My One and Only Thrill, álbum com o qual estou mais familiarizado, algumas canções tem um efeito mais potente que o de uma certa pílula azul. Love undercover, Baby I’m a fool, The Rain e Les Etoile (essa última num francês perfeito e excitante) são arrebatadoras e merecem ser ouvidas ao menos uma vez na vida, caso você consiga deixá-las de lado depois.
Tá certo, é Jazz e talvez aquela amiga de quem falei no início durma caso o seu walkman sopre essa voz suave em vez dos gritos roufenhos de James Hetfield, e é claro que a intenção da mocinha não é se tornar trilha sonora de orgias ou virar som ambiente de motel. No entanto, como andou propagandeando a voz ‘mais pura’ da música brasileira “Todo mundo tem um lado devasso”.

sábado, 17 de setembro de 2011

O espelho de Sofia


O espelho de Sofia

Eu não entendo nada de moda, isso explica porque estou (quase) sempre mal vestido. No entanto, atualmente pouco importa se você ‘entende’ de algum assunto para emitir opinião, o que vale é falar. No meu caso, escrever.
Ademais, não trato de moda, sim de estilo, na melhor acepção da palavra, estilo comportamento, estilo adequação, estilo autenticidade. E disso eu penso que entendo, embora me pareça mais com um isopor de cerveja que com o Robert Redford.
Daí que de uns tempos para cá ando encucado com uma onda avassaladora que tomou os rostos das mulheres cariocas – certamente começou em Nova Iorque foi se espraiando pelo mundo até cruzar o Equador e aportar em Copa: Os tais óculos escuros de formato grande, quadrado, lentes dégradé, que costumo chamar de óculos escuros tipo Sofia Loren.
Nada contra a eterna musa do cinema (pelo contrário), é que tenho a impressão de sempre cruzar com a atriz pelas ruas. Caminhando no calçadão, flanando pelo Centro, no supermercado, nos bares... só vejo Sofias. Todas ficam a cara de Sofia quando enfiam os tais óculos na cara. Que mal há nisso? Perguntam meus amigos. O mundo não fica mais bonito quando todas as mulheres se parecem com a Bella Donna? É, pode ser, mas a questão não é beleza, é repetição, falta de diferença, isso deixa até mesmo a Sofia Loren desinteressante. E essa redundância crônica da cena contemporânea tem deixado o mundo sem graça.
Afora a onda vintage que reina soberana e sobre a qual não pretendo redigir um único pingo em i, é a necessidade de se parecer com todo mundo, de se auto-iconizar (ou pelo menos buscá-lo), de mostrar que está in, o que leva as pessoas a cobrir as pestanas com esses óculos.
Céus, a graça da humanidade reside, ou nasce da diferença. Verdadeiros ícones foram diferentes em tudo, romperam estilos, estigmas, marcas; inovaram; criaram a partir da ousadia. Nenhum deles admitiu ser igual ao que veio antes e, precisamente por isso, se tornaram símbolos, inventores do seu próprio estilo. Nada a ver com vestir paletó laranja e calça marrom, adornada por um All Star quadriculado, mas justamente baseados em uma sensibilidade inata, foram capazes de sentir e fazer, não fazer para se sentir.
Não faltam grandes exemplos como Bob Dylan e Jim Morrison, Fernando Pamplona e Joãosinho Trinta ou, para brincar com a moda, Coco Chanel. Na medida do verossímil, não imagino encontrar Madame Chanel vestindo algo que tenha sido ‘imortalizado’ pela Beyonce, ou que tenha sido utilizado no catálogo do figurino da última novela das nove, menos pelo status, que pelo próprio comportamento corajoso de ser o que era, não o que esperavam que fosse.
Taí, talvez seja essa a explicação para que (quase) todas as garotas cariocas de hoje se assemelhem ao reflexo opaco do espelho de Sofia, deve ser o medo (falta de coragem) intrínseco de mostrar quem são.
A continuar desse jeito, periga o próximo Jim Morrison usar cabelo boi lambeu, camiseta Tommy e compor sertanejo.


Eu não consigo me concentrar


EU NÃO CONSIGO ME CONCENTRAR!

Eu não consigo me concentrar. Eu sofro de ansiedade crônica, mas a falta de concentração não tem qualquer relação com a ansiedade. Não nesse momento. Eu simplesmente não consigo me concentrar. A sala não está completamente escura – como eu gostaria – portanto apagar a luz não fez qualquer diferença. Os carros continuam passando, não há silêncio. E a música... se eu tivesse que me concentrar em algo seria na música. Mas eu não consigo me concentrar. Eu sinto o cheiro de pelo menos três perfumes diferentes, sem evidentemente contar com o meu, que já não sinto a essa hora em razão dos incontáveis cigarros que fumei durante o dia. E não consigo me concentrar nos odores. Diferenciá-los. Descobrir aonde me levam. Que recordações. Perfumes, em geral, nos remetem a lugares que preferimos manter guardados na memória. Reservados. Uma reserva escura. Centenas de barris dormitando intocados em uma cave da qual perdemos a chave da porta. Eu não consigo me concentrar. Acho que oito carros passaram por perto (talvez mais), enquanto eu busco me concentrar. Eles me lembram o som das ondas. Vêm, dão um ‘olá’ e se vão, como quem nunca esteve aqui. E mesmo assim, eu não consigo me concentrar.