O presente mais emblemático da história da humanidade
No longínquo ano de 1987 – talvez
1988, na semana anterior ao segundo domingo do mês de maio, eu e meu irmão saímos
no tapa. Nada de incomum não tivesse sido uma pancadaria na véspera do ‘dia das
mães’. Naqueles dias eu fiquei arrasado, e durante muito tempo me senti mal por
deixar a velha triste perto de data tão importante.
Muitos anos depois, descobri que
o ‘dia da mães’ nada mais é que uma data comercial trazida ao Brasil pelo
publicitário João Dória para vender geladeiras. Depois das matriarcas, o
vendedor de ilusões resolveu homenagear os namorados e por aí fomos.
No rastro da fantástica
estratégia de venda, duas gigantes do comércio infantil resolveram criar o ‘dia
das crianças’ para sensibilizar os papais a coçar o bolso. Trouxa que somos,
aderimos à campanha de marketing que data de 1960 e, até hoje, nos endividamos
a cada mês de outubro em troca do sorriso dos ‘pequenos’, ainda que seja
temporário, vazio e interesseiro.
Eu tenho filho, sei como é, mas
esse ano o ‘dia das crianças’ foi aposentado lá em casa, afinal de contas o
guri se tornou um adulto, e quem se apresenta ao Exército e quer se matricular
em autoescola perde automaticamente direito ao mimo infantil, o que para mim é
um alívio.
Não se trata de avareza, que não
combina com minha tendência perdulária, mas sempre achei essas datas um tanto
contraditórias. O sujeito passa o ano inteiro chorando no balcão do bar porque
o dinheiro não é suficiente para cobrir as despesas do lar, mas abre crediário
nas Casas Bahia para comprar um helicóptero de controle remoto com lança chamas
embutido para o pentelho, numa data que, sinceramente, não representa nada.
Melhor, representa um aumento nas
vendas do varejo, no lucro do comércio e das indústrias, assim como todas as
outras ‘datas festivas’.
Pouco se fala de consumismo, num
mundo onde ‘ter’ se tornou o que era ‘ser’, pois quando fala no assunto você é
taxado de chato (nesse momento é possível que 80% dos leitores já tenham
desistido da crônica). Por outro lado, muito se fala de pobreza, de crise
econômica, de déficit público e privado, sem levar em conta que todos são consequência,
também, do gasto desnecessário.
Parece que todo mundo tem medo de
falar no assunto, afinal de contas quem quer desapontar o filho, ou a mãe, ou a
namorada?
A única crítica interessante que
li ultimamente sobre o assunto está no conto ‘Valdir Peres, Juanito e Poloskei’
de Antônio Prata, publicado na edição brasileira da Revista Granta, lançada em
julho desse ano. Leve, trata com humor do nascimento da classe média consumista
brasileira, fotocópia dos ianques.
Outra coisa que me incomoda é a
onda crescente de comemorações diárias, que acho que aumentou com o crescimento
das redes sociais. Antigamente os dias do ano eram dias de Santo: meu irmão
nasceu no dia de Santo Antônio, eu e meu pai no dia de Santana e minha mãe no
Natal (ganhava apenas um presente).
Hoje, comemoramos o dia da
saudade, do cego, do enfermo, do órfão... todo dia tem alguém para lembrar a gente que é
dia de comemorar alguma coisa e a onda é tão grande que as grandes coisas
perdem significado no meio de coisas abstratas ou insignificantes.
Pensando
nisso enquanto escrevia essa crônica (dia 09 de dezembro), procurei feito um
louco (dia 27 de agosto) na internet (17 de maio) pelo ‘dia do barbante’ (?), e
não achei. Talvez por isso o produto venda tão pouco.
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