quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O 'dia do barbante'

O presente mais emblemático da história da humanidade


No longínquo ano de 1987 – talvez 1988, na semana anterior ao segundo domingo do mês de maio, eu e meu irmão saímos no tapa. Nada de incomum não tivesse sido uma pancadaria na véspera do ‘dia das mães’. Naqueles dias eu fiquei arrasado, e durante muito tempo me senti mal por deixar a velha triste perto de data tão importante.

Muitos anos depois, descobri que o ‘dia da mães’ nada mais é que uma data comercial trazida ao Brasil pelo publicitário João Dória para vender geladeiras. Depois das matriarcas, o vendedor de ilusões resolveu homenagear os namorados e por aí fomos.

No rastro da fantástica estratégia de venda, duas gigantes do comércio infantil resolveram criar o ‘dia das crianças’ para sensibilizar os papais a coçar o bolso. Trouxa que somos, aderimos à campanha de marketing que data de 1960 e, até hoje, nos endividamos a cada mês de outubro em troca do sorriso dos ‘pequenos’, ainda que seja temporário, vazio e interesseiro.

Eu tenho filho, sei como é, mas esse ano o ‘dia das crianças’ foi aposentado lá em casa, afinal de contas o guri se tornou um adulto, e quem se apresenta ao Exército e quer se matricular em autoescola perde automaticamente direito ao mimo infantil, o que para mim é um alívio.

Não se trata de avareza, que não combina com minha tendência perdulária, mas sempre achei essas datas um tanto contraditórias. O sujeito passa o ano inteiro chorando no balcão do bar porque o dinheiro não é suficiente para cobrir as despesas do lar, mas abre crediário nas Casas Bahia para comprar um helicóptero de controle remoto com lança chamas embutido para o pentelho, numa data que, sinceramente, não representa nada.

Melhor, representa um aumento nas vendas do varejo, no lucro do comércio e das indústrias, assim como todas as outras ‘datas festivas’.

Pouco se fala de consumismo, num mundo onde ‘ter’ se tornou o que era ‘ser’, pois quando fala no assunto você é taxado de chato (nesse momento é possível que 80% dos leitores já tenham desistido da crônica). Por outro lado, muito se fala de pobreza, de crise econômica, de déficit público e privado, sem levar em conta que todos são consequência, também, do gasto desnecessário.

Parece que todo mundo tem medo de falar no assunto, afinal de contas quem quer desapontar o filho, ou a mãe, ou a namorada?

A única crítica interessante que li ultimamente sobre o assunto está no conto ‘Valdir Peres, Juanito e Poloskei’ de Antônio Prata, publicado na edição brasileira da Revista Granta, lançada em julho desse ano. Leve, trata com humor do nascimento da classe média consumista brasileira, fotocópia dos ianques.

Outra coisa que me incomoda é a onda crescente de comemorações diárias, que acho que aumentou com o crescimento das redes sociais. Antigamente os dias do ano eram dias de Santo: meu irmão nasceu no dia de Santo Antônio, eu e meu pai no dia de Santana e minha mãe no Natal (ganhava apenas um presente).

Hoje, comemoramos o dia da saudade, do cego, do enfermo, do órfão...  todo dia tem alguém para lembrar a gente que é dia de comemorar alguma coisa e a onda é tão grande que as grandes coisas perdem significado no meio de coisas abstratas ou insignificantes.

Pensando nisso enquanto escrevia essa crônica (dia 09 de dezembro), procurei feito um louco (dia 27 de agosto) na internet (17 de maio) pelo ‘dia do barbante’ (?), e não achei. Talvez por isso o produto venda tão pouco.

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