créditos na ilustração
O cronista depende dos sentidos
mais que da caneta ou da qualidade do texto.
Com os olhos enxerga detalhes
desimportantes à multidão que ganham destaque através de uma perspectiva nova.
Com os ouvidos pesca uma conversa medíocre que vira tese urbana unânime. Seu
paladar ou olfato transforma-se em gatilho que dispara sensações únicas, em
momentos únicos, que do papel insípido e inodoro são capazes de produzir gosto
e cheiro jamais experimentados.
E se chega a um estágio tal, que
é bom andar com um caderninho no bolso para anotar tudo o que se vê, se ouve,
se toca. Escrever uma crônica é traduzir as entrelinhas do mundo, cada vez mais
cheio, indiferente, barulhoso e fedorento.
Em todo lugar há sempre algo para
ser observado de forma peculiar, mas existem alguns lugares que reservam
grandes crônicas, sempre.
João Ubaldo fala muito em sala de
espera de consultório médico, e fala tanto que no início você acha que já leu o
que ele escreveu (ou será que eu li coincidentemente as únicas três crônicas ambientadas ali que ele
escreveu?), para logo depois perceber que nunca leu nada igual.
Assim como salas de espera, aeroportos,
restaurantes, salas de concerto , praia, metrô são ótimos para se pescar algo
diferente. Talvez por misturar no mesmo lugar coisas de grande interesse e
insignificâncias valiosas.
O cronista deve estar por aí, é seu
dever de ofício frequentar, ler, ouvir, comer. Dever com o qual, em parte,
estou em falta.
Por força da minha crescente
intolerância com o ritmo e os barulhos do Rio de Janeiro, de uns tempos pra cá,
estou sempre com fones no ouvido e som no volume máximo. Daí que, considerando
tudo aquilo que escrevi até aqui, tenho desperdiçado grandes oportunidades de
escrever boas crônicas.
Não ouço mais buzinas
estridentes, nem discussões de mães e filhas. Não ouço mais a conversa ao
telefone do camarada no metrô, nem as besteiras que dizem ao meu lado nos
elevadores. Ouço apenas rock n’ roll
e tenho a impressão de que esse tema é roto, no que se refere às crônicas.
Entre os sons que há muito me
desagradam, está o toque do meu celular. Com o perdão da digressão, trata-se de
um toque exclusivo produzido com a ajuda do meu ex-estagiário, que muito habilmente
editou o riff inicial de “Dance with myself”. Portanto, toda vez
que alguém me liga, a guitarrada do Billy Idol explode em meus ouvidos.
Não é que dia desses estava
voltando pra casa ao som do Black Sabbath,
pauleira comendo solta no meu ouvido e celular no bolso de trás, até que senti
uma mãozinha tocar minha perna. Parei, olhei para o lado e um garotinho, cinco,
seis anos, de mãos dadas com a mãe tentava fazer contato comigo. Tirei o fone e
olhei gentilmente para o guri que apontou pra trás e mandou na lata, “moço, seu
bumbum tá tocando violão.”
Pensei, mas não disse, “tomara
que ele se torne um cronista, porque acabei de perder uma boa história.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário