quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Menina ou menino?

Foto: Portal G17

Uma dúvida que sempre intrigou os homens no curso da existência, a possibilidade da mulher estar grávida, pode causar muito mais constrangimento do que se imagina.

É claro que namorados adolescentes tendem a dramatizar mais o fato que homens casados que, no final das contas, mesmo passando por situação financeira instável, ou por crise no relacionamento, sempre tendem a se alegrar com a notícia.

Há também a família e os amigos bisbilhoteiros, sempre de olho na circunferência da mulher e na abstinência repentina de álcool.

Não são esses com certa dose de interesse legítimo, porém, que me interessam. São os desconhecidos, ou quase desconhecidos que se preocupam com a gestação alheia e que provocam situações inusitadas, talvez por não poderem questionar diretamente a “mãe”, talvez simplesmente por se meterem onde não são chamados.

Lembro que lá pelo meio do meu percurso universitário uma professora provocou histeria na turma. Era uma moça jovem, meio riponga e tranquila, que chegou à sala de aula fumando (sim, naquela época todos os professores universitários fumavam dentro da sala de aula). Foi um alvoroço, virou debate de corredor, acharam um absurdo às raias de um novo milênio uma mulher grávida fumar, mas ninguém teve coragem de questioná-la.

Na aula seguinte, a mesma cena: a professora simpática e sorridente, exibindo um barrigão, com o cigarro nas mãos.

A turma não aguentou. A representante se convenceu (ou foi convencida pela turma) de que aquilo não estava certo e de que a professora deveria ser interpelada. Feito o questionamento, a professora cheia de vergonha esclareceu que não estava grávida, apenas gostava de tomar uma cervejinha nos finais de semana.
A história deveria parar por aí, já que não sei a influência que o constrangimento teve na vida da professora, ela despareceu depois daquele semestre. No entanto, na última semana, voltou como um raio sobre a minha cabeça.

Dizem que qualquer animal tem a capacidade natural de aprender com os erros, por isso macaco velho não mete a mão em cumbuca, ditado que, pelo jeito, não se aplica a mim.

Sentou-se ao meu lado no metrô um garoto acompanhado da mãe, que ficou em pé. Viajando no som do MP3, somente depois da segunda estação, percebi que a mãe estava grávida. Gentil como manda a cartilha, levantei e ofereci o lugar, que ela prontamente recusou. Insisti, “mas você está grávida, faço questão.” Ao que ela respondeu, “não, eu estou gorda.” Constrangido, levantei e saltei antes do meu destino, como a professora que abandonou a faculdade.

Pelo sim, pelo não, a partir de agora vou esperar que contem a notícia antes de dar os parabéns.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

No que você está pensando?



Nunca fui aficionado por super-heróis, mas tenho lá os meus prediletos, dentre os quais nunca figurou o Professor Xavier. Acho perigoso esse negócio do sujeito poder ler a mente das pessoas e manipular ações e pensamentos. Mas vá lá, não passa de ficção.

Tudo corria bem nos mundos dos quadrinhos até deparar com a seguinte capa de revista: Ciência a um passo de ler o pensamento.

Não quero elaborar um tratado ético, nem explorar as questões morais e antropológicas que porventura possam surgir caso algo tão poderoso caia nas mãos de um vilão sanguinário. A notícia provocou apenas medo.

Ninguém está interessado nas suas conclusões, na construção de um pensamento livre e racional, e sim no óvulo.

Aquilo que expomos não é necessariamente o que pensamos em um primeiro momento, mas a junção das sensações e emoções, filtrada pelas experiências de vida e o conhecimento adquirido que está pronto para ser dito, escrito, expressado. É o feto pronto para nascer.

Do jeito que as coisas andam, estão prestes a enterrar a máxima ‘pense antes de falar’. Imagine a confusão. A partir do momento em que o cientista tenha acesso ao primeiro pensamento as conclusões serão dele, e não do ‘pensador’.

A minha cabeça, por exemplo, funciona de forma intercalada. Penso em algo, que é interrompido por outra coisa, que depois retorna depurado, que se apaga, perde o lugar e, às vezes, não sai nunca da cachola, fica comigo. Difícil de alguém, diferente de mim, interpretar.

Não pense que é exagero (sem querer manipular você), a coisa é tão mais ampla que ao entrar na maior rede social em atividade na internet a primeira pergunta feita é “no que você está pensando?” Céus, deixem em paz meus pensamentos! Preocupem-se com minhas conclusões.

Alguns vão dizer que é bom, é o começo do fim da mentira (adeus Papai Noel) e do cinismo (adeus humor inglês), mas quem disse que o mundo prescinde deles? Seria o caos. O que torna o homem especial são precisamente suas particularidades, dentre as quais a mentira, a omissão, a covardia e tudo aquilo que taxam de defeito, inclusive.

Só consigo enxergar um lado bom. Antevejo um excelente negócio para quando os cientistas decretarem o fim do pensamento livre. Abrir uma fábrica de capacetes iguais aos do Magneto, prometendo salvaguardar a mente de invasões indesejadas (acho que criar um software de proteção com senha vai ficar para um futuro longínquo), vai dar um bom dinheiro, pode apostar.

Talvez não seja socialmente adequado andar por aí mostrando para todo mundo que você tem algo a guardar na cabeça, mas, por via das dúvidas, se alguém tiver o telefone do Magnus agradeço.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A bunda guitarrista

créditos na ilustração


O cronista depende dos sentidos mais que da caneta ou da qualidade do texto.

Com os olhos enxerga detalhes desimportantes à multidão que ganham destaque através de uma perspectiva nova. Com os ouvidos pesca uma conversa medíocre que vira tese urbana unânime. Seu paladar ou olfato transforma-se em gatilho que dispara sensações únicas, em momentos únicos, que do papel insípido e inodoro são capazes de produzir gosto e cheiro jamais experimentados.

E se chega a um estágio tal, que é bom andar com um caderninho no bolso para anotar tudo o que se vê, se ouve, se toca. Escrever uma crônica é traduzir as entrelinhas do mundo, cada vez mais cheio, indiferente, barulhoso e fedorento.

Em todo lugar há sempre algo para ser observado de forma peculiar, mas existem alguns lugares que reservam grandes crônicas, sempre.

João Ubaldo fala muito em sala de espera de consultório médico, e fala tanto que no início você acha que já leu o que ele escreveu (ou será que eu li coincidentemente as únicas três crônicas ambientadas ali que ele escreveu?), para logo depois perceber que nunca leu nada igual.

Assim como salas de espera, aeroportos, restaurantes, salas de concerto , praia, metrô são ótimos para se pescar algo diferente. Talvez por misturar no mesmo lugar coisas de grande interesse e insignificâncias valiosas.

O cronista deve estar por aí, é seu dever de ofício frequentar, ler, ouvir, comer. Dever com o qual, em parte, estou em falta.
Por força da minha crescente intolerância com o ritmo e os barulhos do Rio de Janeiro, de uns tempos pra cá, estou sempre com fones no ouvido e som no volume máximo. Daí que, considerando tudo aquilo que escrevi até aqui, tenho desperdiçado grandes oportunidades de escrever boas crônicas.

Não ouço mais buzinas estridentes, nem discussões de mães e filhas. Não ouço mais a conversa ao telefone do camarada no metrô, nem as besteiras que dizem ao meu lado nos elevadores. Ouço apenas rock n’ roll e tenho a impressão de que esse tema é roto, no que se refere às crônicas.

Entre os sons que há muito me desagradam, está o toque do meu celular. Com o perdão da digressão, trata-se de um toque exclusivo produzido com a ajuda do meu ex-estagiário, que muito habilmente editou o riff inicial de “Dance with myself”. Portanto, toda vez que alguém me liga, a guitarrada do Billy Idol explode em meus ouvidos.

Não é que dia desses estava voltando pra casa ao som do Black Sabbath, pauleira comendo solta no meu ouvido e celular no bolso de trás, até que senti uma mãozinha tocar minha perna. Parei, olhei para o lado e um garotinho, cinco, seis anos, de mãos dadas com a mãe tentava fazer contato comigo. Tirei o fone e olhei gentilmente para o guri que apontou pra trás e mandou na lata, “moço, seu bumbum tá tocando violão.”

Pensei, mas não disse, “tomara que ele se torne um cronista, porque acabei de perder uma boa história.”

terça-feira, 11 de setembro de 2012

terça-feira, 4 de setembro de 2012

O retrato do artista

foto dos caras que estão arrebentando diariamente 
no Largo da Carioca e no Buraco do Lume. 
Arte de graça no Centro do Rio.


Gosto quando encontro por aí artistas em começo de carreira. Lembram aqueles cuja arte tem por fim a própria arte.

Não se trata de uma filosofia utópica que pragueje contra artistas que cobram por seu trabalho. Não acharia justo o Cony deixar de receber pelo que escreve, talvez merecesse ainda mais do que já ganhou.

Eu mesmo, colocando meus pés na literatura, ficarei feliz se meus romances ‘venderem bem’, permitindo alcançar o estado glorioso de artista brasileiro que vive do que escreve.

Trata-se, apenas, de gosto.

Lembro que algumas das telas que hoje enchem os bolsos dos leiloeiros da Sotheby’s e da Christie’s valiam miséria no auge das carreiras dos seus autores. Van Gogh, pelo que me consta, conseguiu vender apenas uma de suas telas. Nem por isso abandou sua arte, ou desistiu dela.

O que me entristece é ver bons artistas corrompidos, como por exemplo, bandas que compõem um primeiro disco fantástico e se submetem (artisticamente) à ordem do mercado, deixando de produzir ao longo de suas carreiras boas obras. Deve haver um universo paralelo onde vagam natimortas centenas de obras primas que nunca foram, ou serão compostas.

Mas não quero perder tempo com os maus.

Li, há algumas semanas, no Globo, a respeito do trabalho do escritor argentino César Aira e fiquei fascinado, embora jamais tenha lido uma linha do que escreveu. Não é sua obra (ainda), o que me encanta é o tratamento que o artista dá a ela.

Sua preferência pela prosa curta, sua preferência por pequenas editoras, sua preferência pelo trabalho quase artesanal é incrível. A partir daí, o autor trata como arte todo o livro, desde a capa até as palavras.

Não pense você que não há por trás disso até mesmo uma estratégia de negócio (o autor nega veementemente). Pode haver, não sei afirmar. Mas ela não está exposta, não vem à frente como um letreiro que tapa a vidraça da loja. E não é nem um pouco importante.

Importante para Aira é o conjunto que é arte. Ele vive dela, mas também para ela.

Minha opção por uma editora pequena (nova) tem muitas explicações. Desde uma rejeição inicial de editoras comerciais grandes à opção por fazer um trabalho pessoal, artesanal. Será meu primeiro livro publicado e poder participar verdadeiramente de todo o processo, desde a escolha de um artista plástico de minha preferência para fazer a capa até sabe-se lá o que, seduz e interessa.

Não que eu seja um exemplo, ao contrário. Exemplo é Aira.

Para mim, funciona mais ou menos como para uns (outros) argentinos que no último mês se instalaram no Largo da Carioca e adjacências fazendo um som original, cheio de energia e que tem juntado grande quantidade de gente no meio do expediente: Se, ou quando a coisa crescer, que mantenha a mesma aura, o mesmo objetivo. Que continue arte pela arte.

Link da reportagem no Prosa e Verso: