sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A mão da vergonha: e se o seu filho fosse (for) gay?



Em casa temos o hábito de guardar o jornal por muito tempo. Passadas semanas, suas páginas viram banheiro de gato, embrulho de copos quebrados. Às vezes são relidas.

Foi assim, meio por acaso, que li matéria de Evandro Éboli publicada em O Globo de 21 de julho desse ano, que tratava de uma estatística triste. A manchete era clara: “Em 2011, 19 ataques homofóbicos por dia”.

Nunca fui bom em análise estatística e dificilmente consigo extrair de números algo mais que números. Dessa vez foi diferente. Além daquele explícito no caput da reportagem, haviam outros, tais como o número de agressores (2.275) é maior que o de agredidos (1.713), mais de 40% das agressões são injuriosas e por aí vai.

Como deixando o pior para o final, adiante encontrei o atilho que me trouxe a essas palavras: Em sua maioria (38,2%) os ataques são praticados por familiares, seguidos de ataques de vizinhos (35,8%).

Minha constatação óbvia era de que se tratava de coisa de pai e irmão machões, isso antes que chegasse a mais triste das estatísticas. No ambiente familiar as agressões são praticadas em sua maioria pelas mães.

Como dito, nunca fui muito bom em descobrir por trás de estatísticas algo além de algarismos, mas esses números não falam, eles xingam.

Por que exatamente as mães agridem mais filhos homossexuais que os pais, não sei dizer, mas tenho uma ideia. É o braço forte da vergonha, a decepção, medo de que o filho gay seja o reflexo de sua incompetência como gerente da família. A homossexualidade da prole um defeito, ela a culpada.

Na minha cabeça, as coisas pioram quando do outro lado vemos pais de agressores (sejam de gays, prostitutas, empregadas domésticas, índios, mendigos bêbados) defendo sua prole até a última gota de suor e o último centavo empenhado aos advogados. Invariavelmente dizem que seu filho não é bandido, que é tudo um mal entendido, que o rapazinho estuda e a prisão pode acabar com seu futuro.

Nesse quadro, alguma coisa está fora da ordem.

E pode ser diferente? Pode piorar. Acredito que continuando as coisas como estão, se as próprias mães agridem os filhos gays, se as próprias mães defendem os filhos agressores, em dez anos os 19 ataques homofóbicos diários no Brasil triplicarão, decuplicarão.

Enquanto escolas não discutirem abertamente a questão, enquanto as religiões não aceitarem as diferenças (céus, Deus sabe disso?!?), enquanto a sociedade não tratar com normalidade o que é normal, mães continuarão sentindo vergonha e agredindo aqueles a quem deveriam proteger, enquanto outras continuarão a dar desculpas esfarrapadas para proteger aqueles a quem deveriam punir, aqueles de quem deveriam sentir vergonha.

Na próxima e todas as vezes que lhe perguntarem: e seu filho fosse (for) gay? Responda (e deseje): que ele seja feliz, que seja honesto e que seja saudável, como qualquer outro filho. Até que a vergonha passe para o lado das pessoas que fazem esse tipo de pergunta. Para quem quer saber os números da vergonha ai vai o link: http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/7/21/em-2011-19-ataques-homofobicos-por-dia/


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