Não é bloqueio, é falta do que
falar.
No mundo atual pode parecer
esquisito, mas ainda existe. Cercado de gente por todos os lados, notícias que
chegam até nós por todos os meios, verborrágicos ansiosos por uma conversa no
metrô, ainda há espaço para o vazio?
Podem me acusar de superficial.
Todo dia alguém morre numa guerra, o que por si só renderia mil crônicas. Todo
dia surge um novo sucesso da internet. Todo dia fotografam a Piovani no Leblon,
todo dia ela bate num paparazzo pentelho. Afora o que está aí, já existia
quinhentos anos antes de eu nascer e merece elogios, reflexões e análises em
qualquer tempo e espaço.
Por exemplo, por conta de um trabalho, estou lendo Don Quixote. Nunca
tinha lido. Uma amiga escritora disse que foi o primeiro romance moderno. É
o livro perfeito e acho que ninguém deveria ter escrito outro romance depois,
tem tudo lá. Mas escrevemos e ainda bem que vieram Ulysses, 1984, O Cortiço...
Don Quixote dá uma excelente crônica, mas não é dele que quero falar.
Megadeth vai comemorar em São
Paulo 20 anos do lançamento de Countdown
to extinction, enquanto na última sexta-feira a Plebe Rude fez um belo show
no Circo Voador. Música, seja de qualquer qualidade, sempre dá boa crônica. E
daí?
Tem o mensalão e a disputa de
egos de Ministros. Somos diariamente acordados com notícias tristes a respeito
da política e, agora também, do Direito. Houve um tempo em minha vida em que o
Direito representou esperança (de ganhar um bom salário), mas isso acabou antes
mesmo de eu me formar. Dá pra falar sobre Brasília? Só se for sobre Lúcio Costa
e Niemeyer (que adora desenhar curvas, mas projetou uma cidade sem esquinas),
mas não quero.
Um dos meus prazeres recentes era
sair de casa pela manhã para comprar pão, ou passear com o cachorro, e parar em
frente a uma banca para ler as manchetes dos jornais que eu não compraria. Paixão
que aumentou depois que entrou em circulação o jornal Meia Hora, com suas
manchetes muitas vezes irônicas, grosseiras na maioria delas.
Fizeram tanto sucesso por aí, que
não há um dia em que eu não ligue o computador e não depare com sua capa. Seja
em rede social, seja por e-mail, sempre tem alguém que acorda antes de mim e
envia o link do diário, acabando com meu barato de ler por mim mesmo o absurdo
do dia pendurando na calçada. Consequência: não ligo mais o computador antes de
ir à rua.
Tudo ganhou tanta importância,
sentimos tanta necessidade de falar de qualquer coisa, antecipar qualquer coisa,
dar cartaz a qualquer coisa, que tenho a impressão de que até aquele silêncio
no meio de uma conversa não existe mais.
Não
culpo a contemporaneidade, não culpo a imprensa ou as mídias, não culpo a
superficialidade ou a falta de educação. Não culpo ninguém. As coisas são
assim, mudam. O silêncio e a falta perderam valor por esses dias. Tudo tem de
estar preenchido, apesar de haver muito no vazio.