A paixão é o problema. É fogo morro acima. Esqueça suas
convicções, suas ideias predefinidas, suas orientações educacionais, se tiver
de culpar alguém, culpe a paixão.
Ela te fez perder a cabeça e xingar o amigo de infância que
votou no outro, fez rebater a ofensa com apelo mais gravoso. Ela fez os
canalhas cuspirem na pessoa que não conheciam porque vestiam uma camisa diferente, porque torciam por um time diferente. Ela provocou esse furor que
hoje transborda das casas e leva todo mundo para o bueiro.
Não é menor que a razão, nem pior. Não é essa a questão.
Desmedida, a razão torna as coisas chatas, a paixão torna tudo cego. Desmedidas,
as duas são quase sempre indesejáveis.
Em geral, a razão é freio e a paixão é acelerador. Sendo assim, culpe a
paixão pelo acidente e se descobrir que estava sem freio, não culpe a si mesmo
por deixar de verificar as pastilhas antes da viagem.
Culpe a paixão pela inconsequência do seu amor, pela amante,
pelas suas parafilias, “é tudo paixão que virou doença”, grite ao ser preso com
uma faca ensanguentada na mão.
Paixão morte. O marido policial descobriu que a mulher o
traía com o capitão da corporação, cercou o carro que saía do motel. Trocaram
tiros, balas cheias de paixão que acertaram seus corpos. Paixão rasgando a carne,
rompendo vasos sanguíneos e perfurando órgãos vitais. Paixão que abre covas dia
a dia. Que mata o coração do marido traído e alimenta o coração do poeta
resignado.
Paixão vazio egoísta. O casamento acabou fazia anos, antes
mesmo de começar. O homem amava a mulher, mas era apaixonado pelo trabalho.
Culpe a paixão. Não foram as noites de serão, nem o silêncio recorrente na mesa
de jantar. O sexo escasso, o desprezo crescente e a falta de atenção que, de
tanta, chamou a atenção dos familiares. A culpa é da paixão que ele nutria
desde a infância e que se tornou profissão, mas não menos paixão.
Paixão estupidez. A paixão que transformou a religião em algo
mais importante que a fé, a doutrina mais importante que a ação. Culpe a paixão
pelas pedras que atirou. As mãos do apaixonado que apedrejou a adúltera de Cristo e a
suburbana macumbeira. Culpe a paixão com uma explicação bem arrazoada.
Sua cabeça perde o controle, tudo agora está à flor da pele. Anoesis. Puro estado de sensações e emoções,
liberto da razão castradora você pode fazer tudo, a culpa não está em você.
Vá em busca de novos desafios, sem limites. Embrenhado na
mata, perdido, siga em frente, viaje para longe e quando seus pés estiverem
sangrando terá sido a paixão o impulso para o desatino.
Culpe a paixão até o fim - e mesmo que não haja um fim. Que a culpa dela é a desculpa que te resta, é a bengala que sobrou pra te ajudar a caminhar para trás.
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