Tenho a impressão de que o
homem só compreende os quarenta anos quando está à beira dos cinquenta. Porque
tudo é (ou parece) muito mais complexo do que era antes, como numa segunda
adolescência.
Nessa zona cinzenta,
atingimos a maturidade profissional e começamos a deixar de lado a fase de
sonhos. Nossos filhos começam a se aproximar da vida adulta (no meu caso, já há
algum tempo), nossos relacionamentos se tornam mais reais, menos fantasiosos e
os problemas se tornam maiores, assim como as conquistas mais relevantes.
Aqui, via de regra, as
perdas inegociáveis começam a acontecer. É para isso que você, que passeia
pelos gloriosos vinte anos, precisa se preparar.
Esqueça o filtro solar e o
câncer de pele, o primeiro é importante e o segundo fatal, mas não deve ser
essa a sua maior preocupação. Esqueça que suas veias se entopem de gordura a
cada mordida no hambúrguer, que seu fígado ganha peso a cada long neck, que sua barriga cresce a cada
ano, que sua energia diminui a cada aniversário, que sua aposentadoria se torna
mais distante a cada novo governo, que seu relacionamento se torna mais
enfadonho a cada briga, que suas férias se tornam menores a cada promoção, que
seu ciclo de amizade se torna menor a cada verão, que as contas crescem a cada novo
filho, que você precisa apender um novo idioma, que você precisa reservar vinte
por cento - no mínimo dez – de sua renda em um investimento seguro, que você
precisa de plano de saúde, que você não tem mais habilidade para jogar futebol,
que os cabelos começaram a despencar, que a barba fica branca, que ninguém te
dá muita atenção, que o chefe não te trata com humanidade, que você não
conseguiu comprar a casa própria, que sua família não é tão família quanto você
pensava, que o mundo não te aceita como você é. Nada disso será importante
quando você perder sua mãe, quando sua avó perder a capacidade de se levantar
sem a sua ajuda, quando seu pai apresentar os primeiros sinais de Alzheimer.
Não é simples deixar de
sentir o cheiro de alguém com quem você conviveu por anos, da noite para o dia,
porque simplesmente essa pessoa deixou de existir e nada, nem ninguém, vai
conseguir reproduzir a sensação deliciosa de recostar no seu peito e apenas
viver.
Uma onda de arrependimentos
sempre virá e, como todo movimento das marés, se retrairá e tornará a molhar
seus pés, num indo e vindo infinito.
Lembranças boas também, talvez com maior intensidade. Não importa, a aflição
provocada será a mesma: uma sensação cruel de irreversibilidade.
Logo você sentirá que passou
menos tempo do que deveria com seus pais, que gastou mais tempo do que deveria
em discussões frívolas. Logo você vai perceber que trocar uma noitada por uma
sessão de cinema com sua avó pode ser a diferença entre essa onda tocar ou não
os seus pés.
Cuidar da saúde é
importante, se alimentar bem e passar o maldito filtro solar pode ser vital
para chegar saudável aos quarenta anos, o tempo em que seu casamento alcançará
o ápice ou será extinto, você será demitido ou será promovido a CEO, você se
tornará sogro de um adolescente que idolatrará alguma banda da qual você jamais
gostará, sua vista começará a te deixar na mão, tudo simples e comum como deve
ser. De certa forma, a sociedade nos prepara para isso, com seus tratamentos
infalíveis e seus compêndios de autoajuda.
Ninguém te avisa, porém, que
o abraço do pai será extinto e que isso provocará uma sensação de abandono que
só o abraço do pai poderia corrigir. Ele não estará lá, eu avisei.
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