sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Sessão de terapia

ou brevíssima autoanálise com ajuda da literatura

Nunca entrei numa piscina Tone. E apesar de ter cruzado a infância morando em uma casa com piscina de medidas respeitáveis, essa é uma frustração com a qual terei de lidar para sempre.
Um dos lados bons da literatura, quando se é escritor (existe lado ruim?), é poder viver experiências improváveis, num tempo distante do seu, num mundo novo criado a partir das suas fantasias, reviver cenas e recriá-las. A literatura é, portanto, entre outras coisas um excelente remédio para aliviar decepções.
Os leitores tendem a acreditar que muito do que está nos livros é autobiográfico, uma ideia em parte certa, uma vez que o trabalho do autor parte do conjunto de experiências vividas ao longo da vida, somado a muitos outros fatores. No entanto, é difícil acreditar que Agatha Christie tenha cometido os mesmos crimes que suas personagens antes de escrever cada romance.
Muitas vezes funciona como uma sessão de terapia, ou melhor - se considerarmos que os autores em geral são mais sinceros que os analisados. Pode-se criticar a qualidade de um texto, apontando-lhe os defeitos técnicos, mas não acredito ser possível identificar a falta de sinceridade de um autor, já que o seu trabalho é a materialização do que acontece dentro de sua cabeça (ou outros lugares menos determináveis), algo que sai depois de maturado, destilado por muitos anos (ou alguns segundos), às vezes sem interferência consciente.
Nesse momento o autor descobre pedaços si mesmo.
Apesar de a literatura parecer uma arte mais cerebral que a música, nesse aspecto as duas se aproximam muito. E quem acredita que fazer música é simplesmente deitar com o violão numa rede e deixar as coisas fluírem está tão enganado quanto quem pensa que escrever se resume a conhecer regras de sintaxe e ortografia. Nascem da junção do conhecimento e da sensibilidade, que é precisamente o que as eleva.
Nesse momento o autor descobre frustrações, desejos, sentimentos, características que não imaginava ter, e é tarde demais para voltar atrás, ele está exposto. Resta mergulhar de cabeça na piscina Tone.


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