A tela de Pedro Américo, belo retrato do nosso faz de contas.
Eu não diria que o Brasil é um
país atrasado. O Brasil é um país reativo. Existem os que fazem, descobrem,
desbravam; existem os que copiam, reagem, chegam depois. Esses últimos, somos
nós. Historicamente esperamos que outros façam para seguir seu caminho, ou
outro melhor.
Alguns defensores da pátria podem
argumentar (!) que é uma conduta precavida, afinal de contas o país não precisa
pagar o ônus do risco e pode seguir por estradas pavimentadas rumo a um futuro
certo. Balela.
A verdade é que sempre fomos
medrosos, uns; mal intencionados, outros. Por isso estamos sempre fora do
tempo.
Nossa independência foi a afirmação
de um primogênito sobre o patrimônio do pai, mais ou menos como o filho da Luma
ganhar uma empresa de Eike. Algo que iria acontecer, cedo ou tarde. Não houve
rompimento, batalha, conquista, não há do que nos vangloriarmos. Não houve
independência, houve transferência.
Era uma tendência continental, a
independência dos Estados, que João evitou antecipando a legitima.
Depois disso, nosso grande
progresso foi a Lei Áurea, algo do qual deveríamos nos orgulhar, se tivesse
sido promulgada cem anos antes. Não existe signo mais vexatório e explícito da
nossa condição de ‘país que espera pra ver no que vai dar’ do que ser o último
país independente a declarar o fim da escravidão negra.
E, se contamos alguns pioneiros
entre os nossos (Santos Dumont, Leônidas da Silva... desculpem, mas são os
únicos dos quais consigo me lembrar agora – cartas para a redação), deve-se mais
à força da genialidade individual, que a qualquer espécie de característica
marcante de nossa comunidade nacional. Não construímos o hábito de sermos os
primeiros.
É verdade que se a falta de
pioneirismo não é motivo de orgulho, também não precisa ser motivo de vergonha.
O problema é que tem sido.
Seguir os passos certos de alguém
que caminhou à frente pode ser benéfico e deveria ser a escolha natural. O
problema surge quando escolhemos os passos errados. Quando fazemos essa
escolha, ficamos presos no passado (o tal do atraso) sem possibilidade de
avanço.
O sistema de cotas raciais foi
implantado nos EUA na década de 1960, como meio de diminuir a enorme diferença
social entre negros e brancos, possibilitando à parcela negra o acesso ao
sistema educacional de qualidade e ao mercado de trabalho.
Extinto em 2007 pela Suprema
Corte daquele país, a politica afirmativa teve papel preponderante na
integração racial, mas seu tempo está reconhecidamente extinto.
Pessoalmente sou favorável ao
sistema de cotas como meio de acesso aos canais sociais, com as ressalvas comuns
de que não deve estar restrito à cor de pele (sem aquele papo tolo de que o
sistema de cotas provoca um racismo que não existe. Um dos maiores sinais de
nossa prisão ao passado é o racismo/preconceito latente de TODO brasileiro), justamente
porque deve servir também como meio de integração social e não apenas racial.
Pois bem, no Brasil, essa
política de afirmação começou a ser discutida a partir do final da década de
1990 e colocada em prática de forma arbitrária, seguindo parâmetros equivocados,
sem que se tenha ouvido a sociedade de forma ampla, na década de 2000. Ou seja,
a mesma na qual os EUA a aboliram.
Outro exemplo remonta ao ano em
que nasci. Em 1976, surgiu nos Estados Unidos uma igreja chamada Exodus que tinha como principal bandeira
a luta contra a homossexualidade, atuando a favor da sua criminalização (!) e
promovendo métodos de ‘cura gay’, desenvolvidos pelo seu líder, Alan Chambers.
Bom, vocês já sabem aonde quero chegar.
Ocorre que, recentemente Chambers
assumiu publicamente que sente ‘desejos homossexuais’, fechou a igreja e pediu
desculpas à comunidade homossexual pelos anos de dor e sofrimento que suas ‘pregações’
causaram.
O Projeto de Lei nº 234 de 2011
está baseado numa farsa moral assumida publicamente, coincidentemente, na mesma
semana de sua aprovação na CDH da Câmara Federal, no Brasil.
Vivemos em um país em que o direito
de votar pelo qual uma geração lutou, se transformou em dever. Moramos em um
país em que os homens são obrigados a servir às Forças Armadas. Faz vinte anos
a nação ouviu o presidente dizer que nossos carros eram carroças atrasadas (sua
única frase verdadeira, a despeito da demagogia implícita). Faz trinta,
voltamos a votar. Faz quarenta, foram suprimidos todos os Direitos individuais.
Faz cinquenta, derrubaram um presidente eleito democraticamente e aplicaram um
golpe de estado. Faz sessenta, ou setenta ou oitenta de outro golpe. Há oitenta
anos, mulheres não eram sujeitos de direito no que se referia à eleição e
tantas outras coisas. Somos um país fora do tempo.
O estouro da boiada ao qual
estamos assistindo - alguns de nós participando, surge em um momento mais
adequado, mais próximo do resto do mundo. Não se pode dizer que somos pioneiros,
diante do que aconteceu no Egito, na Líbia, na Síria, na Turquia, em NY. Mas a
nosso favor podemos dizer que eles também não são lá tão originais. Movimentos
sociais contrários ao status quo
sempre ocorreram, desde Caim e Abel (o preferido).
O que vivemos talvez seja o
início de algo novo para o Brasil, uma viagem no tempo. Estamos nos deslocando
do passado para o presente (o futuro estará sempre longe), apesar de muita
coisa ainda tentar nos prender décadas atrás.
Talvez seja a oportunidade de
mudar ao menos isso, o tempo de nossas vidas, e deixar para trás quem merece
ficar pra trás.
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