quarta-feira, 12 de junho de 2013

A cidade de plástico.

 
Cidade Lego, igual a tudo o que você tem visto por aí. Quem imita quem?
 
Quando meus pais voltaram de sua primeira viagem à Europa, no já longínquo ano de 1994, ouvi do velho uma frase que me soou ambígua e que demorei a compreender: “Como sempre imaginei, a Suíça parece uma maquete.”
Já que nunca fui ao velho continente, e por óbvio à Suíça, a ambiguidade permaneceu intocada por muitos anos, até que eu pudesse reunir senso estético e discernimento suficiente para chegar às minhas próprias conclusões.
Sempre gostei de quebra-cabeças e a lembrança mais viva que tinha daquele país vinha das fotos assépticas de paisagens estampadas nas peças de montar, além do queijo furado. Não sabia se achava bonito ou vazio (o vazio pode ser bonito, mas não aqui).
Em tempos de Brasil ‘rico’, logo surgiram prefeitos falsos progressistas que escolheram convencer o mundo de nosso avanço pelo meio mais fácil, construindo (ou tentando construir) cidades maquetes.
No caso do Rio de Janeiro, tudo começou pela orla: foi-se a vegetação rasteira nativa, chegaram as ciclovias. E a coisa foi se espalhando, e tomando a cidade, prefeito a prefeito, como se vivêssemos dentro de um Simcity Rio (a frustrada sede do Guggenheim e a fantasmagórica Cidade das Artes são tristes exemplos).
Após a confirmação da cidade como sede dos Jogos Olímpicos 2016 e palco da final da Copa do Mundo de 2014, a transformação chegou a níveis impensáveis, alavancando a especulação imobiliária e outros males, dentre os quais, a modificação agressiva e sem critério de muitos cantos da cidade.
Não sou saudosista, mesmo porque sequer tenho idade para tanto, e por isso deixo de fora da conversa a reforma do Maracanã, que já tive o prazer de conhecer reformado. Falo da cidade mesmo, de uma forma geral. Fico com a impressão de que sofremos da síndrome da atriz vaidosa que, inconformada com a velhice, prefere preencher com botox as marcas da sua identidade estampadas no rosto.
Havia poucas, mas boas referências históricas espalhadas por aí. O casario da Rua da Carioca, os Cortiços da zona da Lapa, o Morro da Conceição e os sobrados da área da Gamboa/Saúde, local aonde quero chegar.
Trabalho na Praça Mauá, localidade que sofre rápida reforma com o objetivo principal de derrubar o Viaduto da Perimetral e jogar os carros pra baixo da terra. E onde ainda existe (ou persiste) boa parte de sobrados que deveriam dar à cidade uma marca arquitetônica, uma referência temporal importante para a criação de uma identidade ao longo do tempo.
Não à toa, no início das escavações para a construção de um túnel na região, foi encontrado um verdadeiro tesouro arqueológico que pode ajudar a contar a história da ocupação da cidade, remontando ao século XVIII. As obras pararam, o tesouro enterrado foi recolhido e catalogado, mas o tesouro exposto menosprezado. Os prédios antigos dão lugar a modernos monstros de vidro espelhado que refletem nosso rosto estupefato em cada esquina.
Compreendi, então, que a questão não é achar uma cidade maquete bonita ou feia, boa ou ruim, tão somente por esse conceito. Num sentido prático, acho que deve ser bom morar numa cidade limpa e funcional, como as da Suíça.
O que me inquieta é saber que, já que podemos viver numa maquete, por que não em uma que represente nossa cultura e conte nossa história? Por que precisamos, ou desejamos, ficar parecidos com Los Angeles, ou Chicago, ou Boston, ou Tóquio, ou São Paulo, ou todas as outras, que por sua vez ficam cada vez mais parecidas com nosso lado plástico, sem gosto, ao invés de seguirmos o exemplo de Roma, Paris, Barcelona, Atenas, que são atuais sem se render à palidez?
A questão, enfim, transcende à estética, ao gosto pessoal, o maior perigo é terminarmos playmobil morando numa cidade feita de Lego.
 
Mercado Municipal de SP:
Um bom exemplo de serviço modernizado num espaço histórico preservado. 

 

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