Cidade Lego, igual a tudo o que você tem visto por aí. Quem imita quem?
Quando meus pais voltaram de sua
primeira viagem à Europa, no já longínquo ano de 1994, ouvi do velho uma frase
que me soou ambígua e que demorei a compreender: “Como sempre imaginei, a Suíça
parece uma maquete.”
Já que nunca fui ao velho
continente, e por óbvio à Suíça, a ambiguidade permaneceu intocada por muitos
anos, até que eu pudesse reunir senso estético e discernimento suficiente para
chegar às minhas próprias conclusões.
Sempre gostei de quebra-cabeças e
a lembrança mais viva que tinha daquele país vinha das fotos assépticas de
paisagens estampadas nas peças de montar, além do queijo furado. Não sabia se
achava bonito ou vazio (o vazio pode ser bonito, mas não aqui).
Em tempos de Brasil ‘rico’, logo
surgiram prefeitos falsos progressistas que escolheram convencer o mundo de nosso
avanço pelo meio mais fácil,
construindo (ou tentando construir) cidades maquetes.
No caso do Rio de Janeiro, tudo
começou pela orla: foi-se a vegetação rasteira nativa, chegaram as ciclovias. E
a coisa foi se espalhando, e tomando a cidade, prefeito a prefeito, como se
vivêssemos dentro de um Simcity Rio (a
frustrada sede do Guggenheim e a fantasmagórica Cidade das Artes são tristes
exemplos).
Após a confirmação da cidade como
sede dos Jogos Olímpicos 2016 e palco da final da Copa do Mundo de 2014, a
transformação chegou a níveis impensáveis, alavancando a especulação
imobiliária e outros males, dentre os quais, a modificação agressiva e sem
critério de muitos cantos da cidade.
Não sou saudosista, mesmo porque
sequer tenho idade para tanto, e por isso deixo de fora da conversa a reforma
do Maracanã, que já tive o prazer de conhecer reformado. Falo da cidade mesmo,
de uma forma geral. Fico com a impressão de que sofremos da síndrome da atriz
vaidosa que, inconformada com a velhice, prefere preencher com botox as marcas da sua
identidade estampadas no rosto.
Havia poucas, mas boas
referências históricas espalhadas por aí. O casario da Rua da Carioca, os
Cortiços da zona da Lapa, o Morro da Conceição e os sobrados da área da
Gamboa/Saúde, local aonde quero chegar.
Trabalho na Praça Mauá,
localidade que sofre rápida reforma com o objetivo principal de derrubar o Viaduto
da Perimetral e jogar os carros pra baixo da terra. E onde ainda existe (ou
persiste) boa parte de sobrados que deveriam dar à cidade uma marca
arquitetônica, uma referência temporal importante para a criação de uma
identidade ao longo do tempo.
Não à toa, no início das
escavações para a construção de um túnel na região, foi encontrado um verdadeiro
tesouro arqueológico que pode ajudar a contar a história da ocupação da cidade,
remontando ao século XVIII. As obras pararam, o tesouro enterrado foi recolhido
e catalogado, mas o tesouro exposto menosprezado. Os prédios antigos dão lugar
a modernos monstros de vidro
espelhado que refletem nosso rosto estupefato em cada esquina.
Compreendi, então, que a questão
não é achar uma cidade maquete bonita ou feia, boa ou ruim, tão somente por
esse conceito. Num sentido prático, acho que deve ser bom morar numa cidade
limpa e funcional, como as da Suíça.
O que me inquieta é saber que, já
que podemos viver numa maquete, por que não em uma que represente nossa cultura
e conte nossa história? Por que precisamos, ou desejamos, ficar parecidos com
Los Angeles, ou Chicago, ou Boston, ou Tóquio, ou São Paulo, ou todas as
outras, que por sua vez ficam cada vez mais parecidas com nosso lado plástico,
sem gosto, ao invés de seguirmos o exemplo de Roma, Paris, Barcelona, Atenas,
que são atuais sem se render à palidez?
A questão, enfim, transcende à
estética, ao gosto pessoal, o maior perigo é terminarmos playmobil morando numa cidade feita de Lego.
Mercado Municipal de SP:
Um bom exemplo de serviço modernizado num espaço histórico preservado.
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