segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Santa ou devassa


SANTA OU DEVASSA
Em mais um caso recente da internet que ganhou 'notoriedade' mundial, uma americana, ao descobrir-se traída pelo companheiro, confiscou suas roupas e resolveu leiloá-las no e-Bay de forma pouco ortodoxa, qual seja: Posando seminua, como se estivesse vestindo, ou tirando, as peças do ex.
Segundo a desiludida, seu namorado costumava exigir que ela usasse roupas mais conservadoras, privando-lhe do direito de usar algo mais sexy. Presumo que o incauto quisesse viver da seguinte forma: A mãe dos seus filhos deve manter-se vestida e se portar, sempre, adequadamente; uma santa. Já suas amantes devem se vestir e portar como cachorras; diabinhas. Pobre homem.
O que isso tem a ver com música (é sobre isso que quero escrever)? Tudo. Mesmo porque, tudo tem a ver com música. Do mesmo modo pelo qual rotulamos pessoas, dentre tantas formas, de santas ou devassas (quase sempre nos enganando), rotulamos músicas, dentre tantas formas, como musiquinhas boazinhas ou som quente, sexy, devasso (quase sempre nos enganamos, também).
Começo com exemplos marcantes da história da música: Madonna é hors concours em safadeza, ou alguém discorda? Suas músicas tinham um clima sensual, a entonação de voz emprestando um tom quase vulgar às canções, letras chocantes. Todo mundo sentia uma enorme vontade de ir pra cama, no exato momento em que começava a ouvir Justify my love  ou Like a virgin. Ao passo que ao escutar a voz angelical de Karen Carpenter entoando Close to you todos se lembravam de suas mães e seus pais, abraçadinhos na frente da lareira. O que eles faziam depois ninguém quer imaginar, mas eles faziam, e esse é o ponto.
Assim como devassas podem, na verdade, buscar esconder sua fragilidade emocional por trás da carapaça de mulher independente, santinhas podem ser mulheres reservadas que preferem guardar o que tem de capetas apenas para alguns poucos afortunados. Músicas são exatamente assim.
Ouvir Madonna pode ser extremamente broxante, na mesma medida em que ouvir os Carpenters pode ser bastante provocante. Depende do momento, da companhia, da situação e do sentimento envolvidos.
Tinha uma amiga metaleira que contava que seu namorado chegava toda semana com uma nova fita cassete para ela escutar no walkman enquanto eles transavam. O repertório incluía Mettalica, Iron Maiden, Slayer e por aí vai. Agora se imagine no momento do êxtase íntimo escutando uma voz rouca gritando “Now I lay me down to sleep/Pray the lord my soul to keep/If I die before I wake/Pray the lord my soul to take”. Ela certamente gostava, eu não gostaria.
Tudo isso é apenas uma isca para atraí-los até onde quero chegar. A sensualidade ou castidade de uma música é muito mais sutil do que julgamos. Está muito mais no ouvido de quem escuta que na garganta de quem canta. I touch myself (Divinyls) é uma música escancaradamente sexual, mas nem por isso, entre quatro paredes é mais devasso que escutar Outra Vez ou O Portão, eternizadas na voz do Rei Roberto.
Houve épocas em que elegeria, com traquilidade, a banda eletrônica americana Supreme Beings of Leasure como a mais sensual e estimulante do planeta.
Ultimamente, contudo, tenho atribuído esse título a uma doce voz americana que chamam de Melody Gardot. Em uma rápida busca na rede você descobre que essa moça de Nova Jersey, hoje aos 26 anos no cume do seu esplendor, iniciou sua carreira de compositora aos 19, depois de um trágico acidente em conseqüência do qual ficou presa a uma cama enquanto se recuperava das lesões.
Foi na cama que compôs as canções de seu primeiro álbum (Some Lessons – The Bedroom Sessions), Deus do céu! Na cama. Poderia dar melhor resultado? Suas canções são leves, agradáveis. Quase sempre carregadas daquele clima de romance desfeito, cheira a desilusão. Os arranjos são ao mesmo tempo simples e bem elaborados, e as melodias sofisticadas, o que torna sua música ainda mais elegante. E a voz... bem, nenhum homem resistiria àquela voz sussurrada ao ouvido. Algumas mulheres também não.
De seu disco My One and Only Thrill, álbum com o qual estou mais familiarizado, algumas canções tem um efeito mais potente que o de uma certa pílula azul. Love undercover, Baby I’m a fool, The Rain e Les Etoile (essa última num francês perfeito e excitante) são arrebatadoras e merecem ser ouvidas ao menos uma vez na vida, caso você consiga deixá-las de lado depois.
Tá certo, é Jazz e talvez aquela amiga de quem falei no início durma caso o seu walkman sopre essa voz suave em vez dos gritos roufenhos de James Hetfield, e é claro que a intenção da mocinha não é se tornar trilha sonora de orgias ou virar som ambiente de motel. No entanto, como andou propagandeando a voz ‘mais pura’ da música brasileira “Todo mundo tem um lado devasso”.

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