Estrada de São Thomé das Letras: foi ali, no Sul de Minas Gerais, onde tudo aconteceu.
Passava os olhos sobre algumas
publicações dispostas sobre uma mesa dedicada aos autores nascidos em
Cambuquira enquanto aguardava o início de minha participação em uma mesa que
discutiria a força da leitura na construção de um mundo melhor, na 1ª FLIC.
Tudo parecia muito diferente da ideia
atual de mundo: a cidade pequenina e acolhedora, com parques limpos e bem
cuidados; moradores gentis e felizes por receberem ali um autor carioca, mesmo
que principiante e desconhecido do grande público; o ar bom de respirar.
Seria minha primeira participação
em um evento literário como debatedor. Não estava ansioso, havia feito o dever
de casa. Tão logo tomei conhecimento do tema da mesa, algumas semanas antes,
escrevi alguns textos sobre o assunto, os quais reli e sobre os quais refleti a
fim de estar pronto quando chegasse o momento.
Não posso dizer que se trata de um
hábito, visto que foi minha estreia, mas quando cheguei à cena descrita no
primeiro parágrafo, em que passava os olhos sobre algumas publicações de
autores locais enquanto aguardava ser chamado ao debate na 1ª Feira Literária
de Cambuquira, sentia-me pronto para a primeira vez. Até que ele apareceu como
um raio.
Chalé em que ficamos hospedados em S. Thomé me fez recordar muitos livros e filmes da infância .
O passado veio sobre a estrela
colorida e brilhante descrita por Caetano Veloso, impávido como Muhammad Ali,
tranquilo e infalível como Bruce Lee, apaixonante como sempre é. Uma estrela que parecia me acompanhar desde o céu azul de São Thomé das Letras até as minas de água de Cambuquira. O soco da
memória, com o gosto da comida da casa da avó e o cheiro do primeiro creme de
barbear. O segredo guardado como se houvesse uma cave escondida no peito (o
que já descrevi por aqui em algum texto que não encontrei e consta também de
alguma gaveta dentro dessa cave). Um truque do cérebro para me sentir ainda
mais à vontade.
Veio na forma de menina, que
passou por mim pulando abraçada ao primeiro livro que comprou na vida. Tinha lá
seus sete anos e sorria como sorriem todas as crianças verdadeiramente felizes.
Lembrei-me instantaneamente da minha primeira feira literária promovida na
escola primária em que eu estudava. Lembrei-me de ter escolhido um livro, de me
abraçar a ele. Lembro-me de ter chorado pelo livro que meu irmão não deixou
comprar.
Recordar minha primeira feira
literária momentos antes de estrear como conferencista em uma feira literária três
décadas depois foi tocante e, em vez de me deixar inseguro, a emoção que
aflorou me trouxe a sensação de que estava no lugar certo, sentida poucas vezes
antes.
Palestra na 1ª FLIC, minha primeira vez.
Tudo correu bem na conferência (tenho
a impressão de que sim). Quando se ama por tanto tempo alguma coisa, nada traz
maior prazer do que falar do objeto desse amor. É assim quando escrevo sobre
escrever, ou quando falo sobre literatura, ou quando alguém me pergunta algo
sobre meu livro, ou sobre qualquer livro, ou quando me indicam um novo autor. É assim que me sinto, como se todas as vezes fossem a primeira
vez, como se eu ainda estivesse abraçado ao livro que eu nunca comprei.
Eu e o responsável pela minha estreia: A Forma da Sombra
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