quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A palavra é: palavra.

O lendário Zé do Caixão, mestre da praga ficcional, ou não.





O rapaz saiu irritado. Quando colocou os pés fora da escola de samba, girou o corpo cento e oitenta graus na direção da porta, soltou uma cusparada e praguejou, "essa merda vai cair pro Grupo de Acesso". Seis meses depois, a escola foi ‘rebaixada’.
Quem assistiu ao divertido ‘Arraste-me para o inferno’ pode até não acreditar em pragas, mas sentiria calafrios ao saber que está sentado no metrô ao lado de alguém com tamanho poder de amaldiçoar; eu sentiria.
No campo do mágico/religioso, ninguém pode afirmar que o clichê ‘as palavras têm poder’ é verdadeiro, tampouco falso (quem pode afirmar o que quer que seja em matéria de fé?). Pragas fazem parte do imaginário individual e coletivo, que é ampliado por fatores culturais e religiosos. Mantras ecoam pelos lados da Ásia ‘elevando espíritos’ desde um tempo que eu não consigo mensurar. Cânticos gregorianos, salmos bíblicos (alguns repletos de praguejamento), canções pagãs, a palavra soprada pela música como instrumento de jura ou esconjuro (Não que o imprecador seja mau, em alguns casos é, mas o medidor/contentor de pragas e grosserias sofre avarias graves quando alcançamos determinados níveis de irritação ou estupidez. E, havemos de convir, a religião/fantasia pode ser tanto um caminho de evolução, quanto de limitação).
Sorte de quem trata o assunto com ceticismo. Para essas pessoas, maldições soam como bazófia.
Existe, no entanto, outro espaço, real, em que as palavras têm força comprovada: a mente. Não à toa livros de autoajuda superam limites de venda, torcidas levam times de futebol à glória ou ao inferno com cantos inflamados dos seus sentimentos mais verdadeiros. Não à toa a poesia emociona, o teatro leva à reflexão e tantos outros meios de arte e comunicação (e mesmo nas relações pessoais, profissionais, casuais) a palavra é utilizada como instrumento para atingir o íntimo alheio e modificá-lo de alguma forma.
Costumamos desprezar a importância do que dizemos, sem considerar seu caráter irredimível. Desdito é adjetivo abstrato, sem aplicação na realidade. A retificação não desintegra a palavra que ficou solta no passado (o único tempo que não deixará de existir).
Esse lugar onde tudo varia ao som da amarração das letras termina mais importante que a própria crença no acometimento da peste, pois não há rezador capaz de anular seus efeitos, não há banho de arruda, cordeiro imolado, sacrifício de primogênito capaz de aplacar a ira do cérebro.
E ainda que o homem consiga lidar com as consequências, não é possível impedir as modificações provocadas pela palavra dita/escrita/cantada. Essa é a minha fé: a palavra (e não a praga em si) tem o poder de alterar o sentido de tudo à sua grampeador.



Trilha sonora original do filme Drag me to hell.


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