terça-feira, 25 de junho de 2013

Brasil: o país do passado.

 
A tela de Pedro Américo, belo retrato do nosso faz de contas.
 
 
Eu não diria que o Brasil é um país atrasado. O Brasil é um país reativo. Existem os que fazem, descobrem, desbravam; existem os que copiam, reagem, chegam depois. Esses últimos, somos nós. Historicamente esperamos que outros façam para seguir seu caminho, ou outro melhor.
Alguns defensores da pátria podem argumentar (!) que é uma conduta precavida, afinal de contas o país não precisa pagar o ônus do risco e pode seguir por estradas pavimentadas rumo a um futuro certo. Balela.
A verdade é que sempre fomos medrosos, uns; mal intencionados, outros. Por isso estamos sempre fora do tempo.
Nossa independência foi a afirmação de um primogênito sobre o patrimônio do pai, mais ou menos como o filho da Luma ganhar uma empresa de Eike. Algo que iria acontecer, cedo ou tarde. Não houve rompimento, batalha, conquista, não há do que nos vangloriarmos. Não houve independência, houve transferência.
Era uma tendência continental, a independência dos Estados, que João evitou antecipando a legitima.
Depois disso, nosso grande progresso foi a Lei Áurea, algo do qual deveríamos nos orgulhar, se tivesse sido promulgada cem anos antes. Não existe signo mais vexatório e explícito da nossa condição de ‘país que espera pra ver no que vai dar’ do que ser o último país independente a declarar o fim da escravidão negra.
E, se contamos alguns pioneiros entre os nossos (Santos Dumont, Leônidas da Silva... desculpem, mas são os únicos dos quais consigo me lembrar agora – cartas para a redação), deve-se mais à força da genialidade individual, que a qualquer espécie de característica marcante de nossa comunidade nacional. Não construímos o hábito de sermos os primeiros.
É verdade que se a falta de pioneirismo não é motivo de orgulho, também não precisa ser motivo de vergonha. O problema é que tem sido.
Seguir os passos certos de alguém que caminhou à frente pode ser benéfico e deveria ser a escolha natural. O problema surge quando escolhemos os passos errados. Quando fazemos essa escolha, ficamos presos no passado (o tal do atraso) sem possibilidade de avanço.
O sistema de cotas raciais foi implantado nos EUA na década de 1960, como meio de diminuir a enorme diferença social entre negros e brancos, possibilitando à parcela negra o acesso ao sistema educacional de qualidade e ao mercado de trabalho.
Extinto em 2007 pela Suprema Corte daquele país, a politica afirmativa teve papel preponderante na integração racial, mas seu tempo está reconhecidamente extinto.
Pessoalmente sou favorável ao sistema de cotas como meio de acesso aos canais sociais, com as ressalvas comuns de que não deve estar restrito à cor de pele (sem aquele papo tolo de que o sistema de cotas provoca um racismo que não existe. Um dos maiores sinais de nossa prisão ao passado é o racismo/preconceito latente de TODO brasileiro), justamente porque deve servir também como meio de integração social e não apenas racial.
Pois bem, no Brasil, essa política de afirmação começou a ser discutida a partir do final da década de 1990 e colocada em prática de forma arbitrária, seguindo parâmetros equivocados, sem que se tenha ouvido a sociedade de forma ampla, na década de 2000. Ou seja, a mesma na qual os EUA a aboliram.
Outro exemplo remonta ao ano em que nasci. Em 1976, surgiu nos Estados Unidos uma igreja chamada Exodus que tinha como principal bandeira a luta contra a homossexualidade, atuando a favor da sua criminalização (!) e promovendo métodos de ‘cura gay’, desenvolvidos pelo seu líder, Alan Chambers. Bom, vocês já sabem aonde quero chegar.
Ocorre que, recentemente Chambers assumiu publicamente que sente ‘desejos homossexuais’, fechou a igreja e pediu desculpas à comunidade homossexual pelos anos de dor e sofrimento que suas ‘pregações’ causaram.
O Projeto de Lei nº 234 de 2011 está baseado numa farsa moral assumida publicamente, coincidentemente, na mesma semana de sua aprovação na CDH da Câmara Federal, no Brasil.
Vivemos em um país em que o direito de votar pelo qual uma geração lutou, se transformou em dever. Moramos em um país em que os homens são obrigados a servir às Forças Armadas. Faz vinte anos a nação ouviu o presidente dizer que nossos carros eram carroças atrasadas (sua única frase verdadeira, a despeito da demagogia implícita). Faz trinta, voltamos a votar. Faz quarenta, foram suprimidos todos os Direitos individuais. Faz cinquenta, derrubaram um presidente eleito democraticamente e aplicaram um golpe de estado. Faz sessenta, ou setenta ou oitenta de outro golpe. Há oitenta anos, mulheres não eram sujeitos de direito no que se referia à eleição e tantas outras coisas. Somos um país fora do tempo.
O estouro da boiada ao qual estamos assistindo - alguns de nós participando, surge em um momento mais adequado, mais próximo do resto do mundo. Não se pode dizer que somos pioneiros, diante do que aconteceu no Egito, na Líbia, na Síria, na Turquia, em NY. Mas a nosso favor podemos dizer que eles também não são lá tão originais. Movimentos sociais contrários ao status quo sempre ocorreram, desde Caim e Abel (o preferido).
O que vivemos talvez seja o início de algo novo para o Brasil, uma viagem no tempo. Estamos nos deslocando do passado para o presente (o futuro estará sempre longe), apesar de muita coisa ainda tentar nos prender décadas atrás.
Talvez seja a oportunidade de mudar ao menos isso, o tempo de nossas vidas, e deixar para trás quem merece ficar pra trás.


quarta-feira, 12 de junho de 2013

A cidade de plástico.

 
Cidade Lego, igual a tudo o que você tem visto por aí. Quem imita quem?
 
Quando meus pais voltaram de sua primeira viagem à Europa, no já longínquo ano de 1994, ouvi do velho uma frase que me soou ambígua e que demorei a compreender: “Como sempre imaginei, a Suíça parece uma maquete.”
Já que nunca fui ao velho continente, e por óbvio à Suíça, a ambiguidade permaneceu intocada por muitos anos, até que eu pudesse reunir senso estético e discernimento suficiente para chegar às minhas próprias conclusões.
Sempre gostei de quebra-cabeças e a lembrança mais viva que tinha daquele país vinha das fotos assépticas de paisagens estampadas nas peças de montar, além do queijo furado. Não sabia se achava bonito ou vazio (o vazio pode ser bonito, mas não aqui).
Em tempos de Brasil ‘rico’, logo surgiram prefeitos falsos progressistas que escolheram convencer o mundo de nosso avanço pelo meio mais fácil, construindo (ou tentando construir) cidades maquetes.
No caso do Rio de Janeiro, tudo começou pela orla: foi-se a vegetação rasteira nativa, chegaram as ciclovias. E a coisa foi se espalhando, e tomando a cidade, prefeito a prefeito, como se vivêssemos dentro de um Simcity Rio (a frustrada sede do Guggenheim e a fantasmagórica Cidade das Artes são tristes exemplos).
Após a confirmação da cidade como sede dos Jogos Olímpicos 2016 e palco da final da Copa do Mundo de 2014, a transformação chegou a níveis impensáveis, alavancando a especulação imobiliária e outros males, dentre os quais, a modificação agressiva e sem critério de muitos cantos da cidade.
Não sou saudosista, mesmo porque sequer tenho idade para tanto, e por isso deixo de fora da conversa a reforma do Maracanã, que já tive o prazer de conhecer reformado. Falo da cidade mesmo, de uma forma geral. Fico com a impressão de que sofremos da síndrome da atriz vaidosa que, inconformada com a velhice, prefere preencher com botox as marcas da sua identidade estampadas no rosto.
Havia poucas, mas boas referências históricas espalhadas por aí. O casario da Rua da Carioca, os Cortiços da zona da Lapa, o Morro da Conceição e os sobrados da área da Gamboa/Saúde, local aonde quero chegar.
Trabalho na Praça Mauá, localidade que sofre rápida reforma com o objetivo principal de derrubar o Viaduto da Perimetral e jogar os carros pra baixo da terra. E onde ainda existe (ou persiste) boa parte de sobrados que deveriam dar à cidade uma marca arquitetônica, uma referência temporal importante para a criação de uma identidade ao longo do tempo.
Não à toa, no início das escavações para a construção de um túnel na região, foi encontrado um verdadeiro tesouro arqueológico que pode ajudar a contar a história da ocupação da cidade, remontando ao século XVIII. As obras pararam, o tesouro enterrado foi recolhido e catalogado, mas o tesouro exposto menosprezado. Os prédios antigos dão lugar a modernos monstros de vidro espelhado que refletem nosso rosto estupefato em cada esquina.
Compreendi, então, que a questão não é achar uma cidade maquete bonita ou feia, boa ou ruim, tão somente por esse conceito. Num sentido prático, acho que deve ser bom morar numa cidade limpa e funcional, como as da Suíça.
O que me inquieta é saber que, já que podemos viver numa maquete, por que não em uma que represente nossa cultura e conte nossa história? Por que precisamos, ou desejamos, ficar parecidos com Los Angeles, ou Chicago, ou Boston, ou Tóquio, ou São Paulo, ou todas as outras, que por sua vez ficam cada vez mais parecidas com nosso lado plástico, sem gosto, ao invés de seguirmos o exemplo de Roma, Paris, Barcelona, Atenas, que são atuais sem se render à palidez?
A questão, enfim, transcende à estética, ao gosto pessoal, o maior perigo é terminarmos playmobil morando numa cidade feita de Lego.
 
Mercado Municipal de SP:
Um bom exemplo de serviço modernizado num espaço histórico preservado.