terça-feira, 5 de maio de 2015

O melhor do mundo



Estava enfiado no melhor pijama, acompanhado de um copo de Coca-Cola e um pedaço de pizza de frango com catupiry. Sentei no sofá e liguei a televisão. Estava prestes a começar meu programa favorito, em que bandas de música disputam um lugar ao sol. Tudo corria bem, até que um dos jurados resolveu dizer que o melhor cantor de samba de todos os tempos se chama Péricles.

Listas de melhores costumam encher revistas e jornais em épocas específicas, como virada de ano, década, século. No caso de veículos especializados, o prazo pode ser ainda menor, como a Billboard que mantém constantemente atualizada uma lista com os maiorais da música mundial.

Mas nem a Billboard, mídia das mais valorosas da história da música, tem a pretensão de indicar o melhor. Suas listas são baseadas nos mais vendidos (ou executados), porque o melhor é pessoal.
Comecei a pensar.

O melhor beijo é o da minha esposa. O gosto, o tato, o jeito de apertar meus lábios é o que faz querer beijá-la todos os dias. Por isso ela se tornou minha esposa, tudo nela é melhor – é o que acho.

Meu guri é o mais genial, mais bonito, mais carinhoso filho que existe. Gente fina até o talo. Melhor guitarrista com quem eu tive o prazer de tocar.

O melhor time de futebol do mundo veste vermelho e preto e mora em frente à Lagoa Rodrigo de Freitas, mas a metade da cidade discorda disso (azar o deles). A única escola de samba que deveria existir tem plumas verdes e rosas.




A melhor moqueca já feita pelo homem, na verdade era preparada por uma mulher, minha avó Lekinha. Já, a melhor costela de boi você vai encontrar no Escondidinho, no Centro do Rio de Janeiro, e o melhor galeto bunda de fora fica no edifício Avenida Central.

Existe uma torta de bem casados em uma parada de estrada que me fez acreditar no amor que Deus sente pelos homens e virou tradição de viagem na minha família, ninguém nunca vai fazer uma torta melhor do que aquela.

Se a garganta secar e o papo pedir uma loura você pode optar pelo chope sempre gelado do Sindicato, ou subir a Serra e procurar pela Vila de Terê, ou a Ranz de Lumiar, melhor cerveja não há.

A praia da Barra é a mais gostosa do Rio de Janeiro e a Urca é sem dúvida o melhor bairro da cidade, com honrosas menções a Copa e Tijuca.

A melhor banda do mundo é o Rush, integrada pelos melhores instrumentistas vivos no mundo, que apresentaram o melhor show da história da música contemporânea, em 2002, no Maracanã. Ninguém se iguala ao trio canadense em execução e composição de rock. Mas o melhor vocal que já se ouviu por aí sai da goela do Dio, que voz!




O que não se discute é que Dark side of the moon é o melhor disco gravado na história da música, revoga-se qualquer opinião contrária. O segundo melhor é The Heart of the Saturday Night, do Tom Waits.

Falam muito de Mozart e Bach, mas ninguém compôs tão bem quanto Bethooven, o compositor da mais bela canção soprada pelo homem: Sinfonia nº 9 em ré menor, Op. 125.

O Estrangeiro é o melhor livro que já foi escrito, mas os melhores escritores vivos são todos meus amigos – ou quase todos, ou quase amigos. Adoro os contos e os romances do Michel Laub (como eu gostaria de escrever como ele), as mais belas crônicas são escritas pelo Pellanda, mas o melhor e mais promissor escritor brasileiro é o Montes.

O melhor sambista de que se tem conhecimento foi o Angenor de Oliveira, mas existiram o Nelson e o Zé Ketti. Tinha também o João, com quem tive o prazer de passar uma madrugada conversando, em um bar com samba lá na periferia de Niterói, poucos meses antes de sua morte. Existiram o portelense Antônio e a Mineira Guerreira. Tinha o branquelo letrado da Vila, o boca torta do Noel, e o malandro do Estácio, seu amigo Ismael. Tinha o Paulo, Tem Paulinho. Tem Sargento, teve Elizeth, que minha avó Doxinha jura ser sua prima por vias transversas. Teve Jamelão, hoje tem Beth. Até o Chico é bom de samba (apesar da opinião dos outros). A melhor roda que frequentei era puxada pelo Memória do Samba, grupo natimorto lá nos idos do ano 2000. O samba-enredo que me arranca do chão disputou e ganhou o carnaval de 1969 – tanta gente competente que produziu história.




Pensei em tudo isso quando ouvi o jurado do programa falar que o Péricles é o melhor cantor de samba de todos os tempos. Pensei em tudo que amo, que exalto como as melhores coisas do mundo. Tentei compreender por que a moqueca da minha avó, Dio, Ranz, Camus, a boca da minha mulher. Por que foram essas as coisas que me conquistaram e habitam meu pequeno altar íntimo de adoração.

Amamos as coisas por algum motivo. Conhecer esse motivo, porém, não é tão simples, nem necessário. A empatia está acima da razão, mais ligada aos sentidos, mesmo aquelas aparentemente mais racionais, como o livro favorito. O meu melhor pode ser horrível pra você, o que não piora o que sinto por ele, ou melhora o que você sente.

Lembrei-me, ainda, que o mesmo sambista jurado que elevara Péricles ao posto mais alto dos bambas havia afirmado, alguns anos atrás, ter ele próprio mudado a história do mais importante gênero musical brasileiro.

Ora, é só a opinião dele, nada que deva me tirar do sério. Não vou perder mais tempo com isso, concluí.


A pizza já estava fria e o refrigerante quente. Olhei pra minha esposa, esparramada no outro sofá e resmunguei, “Calabresa é muito melhor que frango com catupiry”.






Você decide quem é o melhor sambista de todos os tempos, pra você:


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