O lendário Zé do Caixão, mestre da praga ficcional, ou não.
O rapaz saiu irritado. Quando
colocou os pés fora da escola de samba, girou o corpo cento e oitenta graus na
direção da porta, soltou uma cusparada e praguejou, "essa merda vai cair pro Grupo de
Acesso". Seis meses depois, a escola foi ‘rebaixada’.
Quem assistiu ao divertido ‘Arraste-me
para o inferno’ pode até não acreditar em pragas, mas sentiria calafrios ao
saber que está sentado no metrô ao lado de alguém com tamanho poder de
amaldiçoar; eu sentiria.
No campo do mágico/religioso, ninguém
pode afirmar que o clichê ‘as palavras têm poder’ é verdadeiro, tampouco falso
(quem pode afirmar o que quer que seja em matéria de fé?). Pragas fazem parte
do imaginário individual e coletivo, que é ampliado por fatores culturais e
religiosos. Mantras ecoam pelos lados da Ásia ‘elevando espíritos’ desde um tempo
que eu não consigo mensurar. Cânticos gregorianos, salmos bíblicos (alguns
repletos de praguejamento), canções pagãs, a palavra soprada pela música como
instrumento de jura ou esconjuro (Não que o imprecador seja mau, em alguns
casos é, mas o medidor/contentor de pragas e grosserias sofre avarias graves
quando alcançamos determinados níveis de irritação ou estupidez. E, havemos de
convir, a religião/fantasia pode ser tanto um caminho de evolução, quanto de limitação).
Sorte de quem trata o assunto com
ceticismo. Para essas pessoas, maldições soam como bazófia.
Existe, no entanto, outro espaço,
real, em que as palavras têm força comprovada: a mente. Não à toa livros de
autoajuda superam limites de venda, torcidas levam times de futebol à glória ou
ao inferno com cantos inflamados dos seus sentimentos mais verdadeiros. Não à
toa a poesia emociona, o teatro leva à reflexão e tantos outros meios de arte e
comunicação (e mesmo nas relações pessoais, profissionais, casuais) a palavra é
utilizada como instrumento para atingir o íntimo alheio e modificá-lo de alguma
forma.
Costumamos desprezar a
importância do que dizemos, sem considerar seu caráter irredimível. Desdito é adjetivo
abstrato, sem aplicação na realidade. A retificação não desintegra a palavra
que ficou solta no passado (o único tempo que não deixará de existir).
Esse lugar onde tudo varia ao som
da amarração das letras termina mais importante que a própria crença no
acometimento da peste, pois não há rezador capaz de anular seus efeitos, não há
banho de arruda, cordeiro imolado, sacrifício de primogênito capaz de aplacar a
ira do cérebro.
E ainda que o homem consiga lidar
com as consequências, não é possível impedir as modificações provocadas pela
palavra dita/escrita/cantada. Essa é a minha fé: a palavra (e não a praga em si)
tem o poder de alterar o sentido de tudo à sua grampeador.
Trilha sonora original do filme Drag me to hell.
Trilha sonora original do filme Drag me to hell.