O fim do ano se aproxima e os
assuntos são sempre os mesmos: amor, fraternidade, peru, expectativas para o
que vem pela frente, aquela velha história do ciclo que se fecha e renova,
roupa branca, chuva na virada do ano. Esse ano teve a novidade do fim do mundo,
que ocupou um tanto de páginas por aí, o que foi divertido – pelo menos eu me
diverti. Minha contribuição para os assuntos recorrentes é falar sobre
superstição.
Cresci numa família cristã (bastante)
conservadora. Lembro-me da reprimenda que levei do meu pai quando contei que
lia, regularmente, o horóscopo no final do jornal. Nunca acreditei em
astrologia, mas achava engraçado ler os conselhos clichês, ou mesmo aqueles
jogos de perguntas que indicavam que o leitor teria sido um guerreiro celta, ou
uma princesa na idade média, encarnações antes. Mas isso era uma blasfêmia.
Já, no campo das superstições,
meu pai era craque. Eu, aluno fiel. Para longe da hipocrisia, o quadro é a
reprodução fiel do brasileiro sincretizado, que tem suas crenças e rejeita
outras – embora superstição não seja exatamente uma crença. E, quando se vê
encurralado, acaba acusando o golpe e admitindo a culpa. Tanto que, certa vez, ao
evitar passar por baixo de uma escada na Avenida Rio Branco e quebrar o pé, o
velho disse diante do meu sorriso, “Não falei que essa porra de superstição é
blasfêmia?”
Não adiantou o exemplo doloroso, mantenho
as minhas até hoje. Não ligo para a cor da roupa no dia da virada, nem pra
comida da ceia, por que não ligo para o réveillon. Infelizmente minhas
crendices se manifestam em coisas mais sérias.
Por exemplo, esse ano assisti a
todos os jogos do Flamengo na companhia de uma imagem decapitada de São Judas
Tadeu. Pois é, por conta de um acidente doméstico, São Judas perdeu a cabeça. Talvez
isso explique as terríveis campanhas do time. Prometi a minha mulher que ano
que vem, ou colo a cabeça do santo, ou compro outra imagem.
Por falar em minha mulher e
futebol, ela mesma tem suas manias, como permanecer na mesma posição em que
estava quando o Flamengo fez o gol. Isso pode ser complicado, acredite em mim.
No campo profissional, nunca
conto a ninguém quando estou tendo sucesso, ou quando as coisas vão mal. Não
tem nada a ver com manter segredo previdente, é crendice mesmo. Se me perguntam
como vão as coisas no trabalho, respondo, há 12 anos, que estão bem, e nem
sempre estiveram.
Não gosto de jogar tênis de meias
curtas, mas meu jogo não melhora quando coloco meias compridas. Não pego
elevadores que demoram muito, mas nunca soube de algum que tenha despencado
depois que desisti de entrar. Ou seja, superstição é mesmo uma tolice.
No próximo dia 31 um exército vestido
de branco invadirá Copacabana, pularão sete ondas, atirarão caroços de uvas nos
telhados, comerão lentilha (bicho que cisca pra trás, jamais), estourarão
champanha, ou não, e tudo será igual no dia seguinte, ou não.
A graça da superstição não está
no resultado, está na situação em si. Na loucura lúdica, no medo infantil que
leva um sujeito de sessenta anos a desviar de uma escada e quebrar o pé, e se
encerra ali. É quase um TOC – às vezes se transforma mesmo em obsessão.
Ou será que você acredita mesmo
que vai resolver seu problema amoroso se passar o ano de cueca vermelha. Bom,
você pode até crer nisso, mas antes de vestir essa peça constrangedora, dê uma
olhada no espelho, escove o dente e reveja a lista de amigos. Vai que você é
feio, tem mau hálito e é chato. Nesse caso, meu caro, eu garanto, não tem cueca
que salve.
trilha dos supersticiosos: