Eu e meu irmão montados no Chucrute
Vendemos a casa. Não um imóvel
comum, mas a casa que meus pais compraram exatos nove meses antes de eu nascer.
Passado um ano da morte do velho, já não fazia sentido mantê-la.
Não houve tempo de sentir
saudade. Na última semana gastamos o tempo que havia pra senti-la, encaixotando a
vida inteira de uma família. Desde os desenhos feitos por mim e meu irmão no
jardim de infância aos móveis pesados. Mas não me iludo, ela virá. Tudo importante
que fica pra trás, faz falta.
Chico Buarque criou uma das mais pedagógicas
letras escritas em português (dentre todas aquelas músicas geniais que ele
compôs), em que ensina que a ‘saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu’.
Arrumar a casa, caixa por caixa, provoca uma mistura de sentimentos que vão além da saudade. Ver os caminhões de mudança
chegando e partindo, os amigos guardando recordações, os animais com o olhar
perdido forçam um inevitável nó na garganta.
Eu e Chris em nosso primeiro réveillon juntos
Preferi não olhar pra trás. No
início pensei em tirar uma última fotografia ao lado da minha mãe e do meu
irmão. Eu que não estava lá quando eles chegaram, no longínquo 1975, ajudei a
esvaziar o sonho dos meus pais. O velho tinha tamanha devoção pelo lar que
construiu e dedicava tanto tempo de sua vida a ele, que as primeiras a sentirem
sua falta foram certamente aquelas paredes.
A pessoa que comprou a casa,
um senhor poucos anos mais novo que meu pai, disse que não estava comprando uma
casa, mas uma lembrança. Na primeira visita que fez lembrou-se de sua infância,
memória que desejava reconstruir. Isso é possível, às vezes., o que não diminui
meu inconformismo diante do fim de coisas que deveriam ser eternas. Minha luta
contra a saudade.
Terceira geração: Meu filho Guigui e meu afilhado João Guilherme
Não da casa. Minha família tem
projetos novos e está mais do que na hora de construir os meus sonhos ao
lado da minha esposa e do meu filho. Quem sabe um dia, se eu estiver pensando
em reviver aquele passado, não possa recriá-lo em algum lugar que me lembre,
como lembrou ao comprador, o lar da minha infância?
Minha mãe, linda, se preparando para defender o lobo mau do meu ataque iminente
Isso, no entanto, é nostalgia. Em
doses pequenas e controladas faz bem à alma. Em outra perspectiva não fazem a
menor diferença, é só uma percepção de tempo. Há pouco ouvi um dos muitos
especialistas que proliferam pelo mundo (não lembro a especialidade desse) dizer
que o tempo do mundo mudou. Ele afirmava que a velocidade da vida é tão maior
atualmente que crianças de dez anos se queixam de nostalgia. Já ouvi garotos de
vinte anos afirmando que ‘no seu tempo’ alguma coisa era melhor do que é hoje.
Eu e o velho
Saudade é diferente. Saudade é o vazio provocado pelo
deslocamento de algo importante. Pior quando esse deslocamento é definitivo. Saudade
é dor, é ausência de sorriso e um dia ela vai arrancar água dos teus olhos,
impiedosa. Resta esperar ela chegar.