terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Saudade é uma palavra que só se escreve em peito vazio

Eu e meu irmão montados no Chucrute

Vendemos a casa. Não um imóvel comum, mas a casa que meus pais compraram exatos nove meses antes de eu nascer. Passado um ano da morte do velho, já não fazia sentido mantê-la.

Não houve tempo de sentir saudade. Na última semana gastamos o tempo que havia pra senti-la, encaixotando a vida inteira de uma família. Desde os desenhos feitos por mim e meu irmão no jardim de infância aos móveis pesados. Mas não me iludo, ela virá. Tudo importante que fica pra trás, faz falta.

Eu e Chulé, o primeiro gato.

Chico Buarque criou uma das mais pedagógicas letras escritas em português (dentre todas aquelas músicas geniais que ele compôs), em que ensina que a ‘saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu’.

Arrumar a casa, caixa por caixa, provoca uma mistura de sentimentos que vão além da saudade. Ver os caminhões de mudança chegando e partindo, os amigos guardando recordações, os animais com o olhar perdido forçam um inevitável nó na garganta. 

Eu e Chris em nosso primeiro réveillon juntos
           
Preferi não olhar pra trás. No início pensei em tirar uma última fotografia ao lado da minha mãe e do meu irmão. Eu que não estava lá quando eles chegaram, no longínquo 1975, ajudei a esvaziar o sonho dos meus pais. O velho tinha tamanha devoção pelo lar que construiu e dedicava tanto tempo de sua vida a ele, que as primeiras a sentirem sua falta foram certamente aquelas paredes.

A pessoa que comprou a casa, um senhor poucos anos mais novo que meu pai, disse que não estava comprando uma casa, mas uma lembrança. Na primeira visita que fez lembrou-se de sua infância, memória que desejava reconstruir. Isso é possível, às vezes., o que não diminui meu inconformismo diante do fim de coisas que deveriam ser eternas. Minha luta contra a saudade.

Terceira geração: Meu filho Guigui e meu afilhado João Guilherme

Não da casa. Minha família tem projetos novos e está mais do que na hora de construir os meus sonhos ao lado da minha esposa e do meu filho. Quem sabe um dia, se eu estiver pensando em reviver aquele passado, não possa recriá-lo em algum lugar que me lembre, como lembrou ao comprador, o lar da minha infância?

Minha mãe, linda, se preparando para defender o lobo mau do meu ataque iminente

Isso, no entanto, é nostalgia. Em doses pequenas e controladas faz bem à alma. Em outra perspectiva não fazem a menor diferença, é só uma percepção de tempo. Há pouco ouvi um dos muitos especialistas que proliferam pelo mundo (não lembro a especialidade desse) dizer que o tempo do mundo mudou. Ele afirmava que a velocidade da vida é tão maior atualmente que crianças de dez anos se queixam de nostalgia. Já ouvi garotos de vinte anos afirmando que ‘no seu tempo’ alguma coisa era melhor do que é hoje.

Eu e o velho

Saudade é diferente. Saudade é o vazio provocado pelo deslocamento de algo importante. Pior quando esse deslocamento é definitivo. Saudade é dor, é ausência de sorriso e um dia ela vai arrancar água dos teus olhos, impiedosa. Resta esperar ela chegar.